quarta-feira, 16 de outubro de 2024

O Apanhador no Campo de Centeio - 13: Voltei a pé para o hotel

O Apanhador no Campo de Centeio


J.D. Salinger


13

     Voltei a pé para o hotel. Quarenta e um gloriosos quarteirões. Não que eu estivesse com vontade de andar nem nada. Foi mais porque não queria entrar e sair de outro táxi. De vez em quando a gente se cansa de andar de táxi, da mesma maneira que se cansa de andar de elevador. De repente, a gente sente que tem de ir a pé, qualquer que seja a distância ou a altura. Quando eu era menor, costumava subir para nosso apartamento pelas escadas. Doze andares.
     Nem parecia que tinha nevado, as calçadas já estavam quase limpas. Mas fazia um frio de rachar e tratei de tirar do bolso meu chapéu vermelho e botei na cabeça - estava pouco ligando para minha aparência. Cheguei até a baixar os protetores de orelha. Bem que gostaria de saber qual o safado que tinha roubado minhas luvas no Pencey, porque minhas mãos estavam geladas. Não que eu fosse fazer muita coisa se soubesse. Sou um desses sujeitos covardes pra chuchu. Procuro não demonstrar, mas sou. Por exemplo, se tivesse descoberto quem roubou minhas luvas no Pencey, provavelmente teria ido até o quarto do vigarista e diria: "Muito bem. Que tal ir me passando as luvas?" Aí, o vigarista que as tinha roubado provavelmente responderia, com a voz mais inocente do mundo: "Que luvas?" Aí eu provavelmente ia até o armário dele e encontrava as luvas num canto qualquer, escondidas na porcaria das galochas ou coisa que o valha. Apanhava as luvas, mostrava a ele e perguntava: "Quer dizer que essas luvas são tuas, não é?" Aí o filho da mãe provavelmente olharia para mim, com a maior cara de anjinho, e diria: "Nunca vi essas luvas em toda a minha vida. Se são tuas, pode levar. Não quero mesmo essa droga pra nada." Aí eu provavelmente teria ficado uns cinco minutos de pé, no mesmo lugar, com as luvas na mão e tudo. Ia me sentir na obrigação de dar um soco no queixo do sujeito, quebrar a cara dele. Só que não ia ter coragem de fazer nada. Ia só ficar ali, de pé, tentando fazer cara de mau. Talvez dissesse alguma coisa bem cortante e sarcástica, para aporrinhar o sujeito - em vez de lhe dar um soco no queixo. Seja lá como for, se eu dissesse alguma coisa bem cortante e sarcástica, ele provavelmente se levantaria, chegaria perto de mim e perguntaria: "Escuta, Caulfield. Você tá me chamando de ladrão?" , em vez de dizer que era isso mesmo, que ele era um filho da mãe dum ladrão, eu provavelmente só teria dito: "Só sei é que a droga das minhas luvas estavam na droga das tuas galochas." A essa altura o sujeito já saberia com certeza que eu não ia mesmo dar um soco nele e diria: "Olha, vamos deixar esse negócio bem claro. Você tá me chamando de ladrão?" Eu então provavelmente responderia: "Ninguém está chamando ninguém de ladrão. Só sei que as minhas luvas estavam na porcaria das tuas galochas." O negócio podia continuar assim durante horas. Finalmente eu iria embora sem ter dado nem um sopapo nele. Provavelmente ia para o banheiro, acendia um cigarro e ficava me olhando no espelho, fazendo cara de valente. De qualquer maneira, era nisso que eu estava pensando enquanto voltava para o hotel. Não é nada engraçado ser covarde. Talvez eu não seja totalmente covarde. Sei lá. Acho que talvez eu seja apenas em parte covarde, e em parte o tipo do sujeito que está pouco ligando se perder as luvas. Um de meus problemas é que nunca me importo muito quando perco alguma coisa - quando eu era pequeno minha mãe ficava danada comigo por causa disso. Tem gente que passa dias procurando alguma coisa que perdeu. Eu acho que nunca tive nada que me importaria muito de perder. Talvez por isso eu seja em parte covarde. Mas isso não é desculpa. Sei que não é. O negócio é não ser nem um pouquinho covarde. Se é hora de dar um soco na cara de alguém, e dá vontade mesmo de fazer isso, a gente não devia nem conversar. Mas não consigo ser assim. Eu preferia empurrar um sujeito pela janela, ou cortar a cabeça dele com um machado, do que dar um soco no queixo dele. Odeio briga de soco. Não que me importe muito de apanhar - embora, naturalmente, não seja fanático por pancada - mas o que me apavora mais na briga é a cara do outro sujeito. Não consigo ficar olhando a cara do outro sujeito, esse é que é o meu problema. Não seria tão ruim se a gente estivesse com os olhos vendados, ou coisa que o valha. Pensando bem, é um tipo gozado de covardia, mas não deixa de ser covardia. E eu não procuro me iludir.
     Quanto mais eu pensava nas minhas luvas e na minha covardia, mais deprimido ficava, e por isso decidi, no meio do caminho, entrar em algum canto para tomar um drinque. Só tinha tomado três doses no Ernie's, e nem tinha acabado a última. Se há um troço que eu tenho é resistência para bebida. Quando me dá na veneta, sou capaz de beber a noite inteira e ficar cem por cento. Uma vez, no Colégio Whooton, eu e um outro garoto, o Raymond Goldfard, compramos uma garrafa de uísque e fomos beber na Capela, num sábado de noite, porque lá ninguém ia ver a gente. Ele ficou na maior água, mas eu acabei inteirinho. Só fui ficando cada vez mais superior, mais indiferente. Vomitei antes de dormir, mas na verdade não precisava - tive mesmo que fazer força para vomitar.
     De qualquer modo, antes de chegar ao hotel resolvi entrar num bar de aparência infecta, mas dois sujeitos vinham saindo, bêbados que nem gambá, e queriam saber onde era a entrada do metrô. Um deles, com pinta de cubano, ficou respirando com um hálito podre em cima da minha cara, enquanto eu dava a informação. Perdi até a vontade de entrar na porcaria do bar e tratei de seguir direto para o hotel.
     O vestíbulo estava inteiramente deserto, cheirando a cinquenta milhões de cigarros apagados. Eu não estava com sono nem nada, mas estava me sentindo um bocado mal. Deprimido e tudo. Tive vontade de estar morto.
     Aí, mais que de repente, me meti numa enrascada dos diabos.
     Aí, mais que de repente, me meti numa enrascada dos diabos. Mal entrei no elevador, o cabineiro perguntou: - Que tal uma diversãozinha, meu chapa? Ou já está muito tarde pra você?

- Como é que é? - perguntei. Não sabia aonde ele queria chegar nem nada.

- Tá interessado num rabo de saia pra hoje de noite?

- Eu? - respondi. Era o tipo da resposta idiota, mas a gente fica sem jeito quando um sujeito pergunta um troço desses assim de surpresa.

- Qual é tua idade, chefe? - perguntou o cabineiro.

- Por quê? Vinte e dois.

- Hum, hum. Bom, como é que é? Tá interessado? Cinco pacotes uma bimbada. Quinze pacotes a noite toda. Cinco pacotes uma bimbada, quinze pacotes até meio-dia.

- Tá bom - eu disse. Era contra meus princípios e tudo, mas eu estava me sentindo tão deprimido que nem pensei. Esse é que é o problema. Quando a gente está se sentindo muito deprimido não consegue nem pensar.

- Tá bom o quê? Uma hora ou até o meio-dia? Tenho que saber.

- Só uma hora.

- Tá bem, qual é o seu quarto?

     Olhei o trocinho vermelho, pendurado na chave, que tinha o número do meu quarto. - Mil duzentos e vinte e dois - falei. Já estava me sentindo meio aporrinhado de ter embarcado naquela estória, mas agora era tarde.

- Perfeito. Vou mandar uma garota lá daqui a quinze minutos.

     Abriu a porta do elevador e eu saí.

- Êi, ela é boa? - perguntei. - Não quero nenhum bagulho.

- Que bagulho nada, pode ficar tranquilo, chefe.

- A quem que eu pago?

- A ela - respondeu. - Vambora, chefe.

     Fechou a porta quase na minha cara.
     Fui para o quarto e passei uma água no cabelo, mas é realmente impossível pentear um cabelo cortado à escovinha. Aí procurei ver se estava com mau hálito, de tantos cigarros e uísques, que tinha fumado e bebido no Ernie's. Basta por a mão em baixo da boca e soprar para cima em direção ao nariz. Até que não estava muito ruim, mas escovei os dentes assim mesmo. Aí vesti uma camisa limpa. Sabia que não precisava caprichar tanto por causa duma prostituta e tudo, mas era alguma coisa para me ocupar. Estava um pouco nervoso. Estava começando a me sentir muito sensual e tudo, mas estava meio nervoso de qualquer jeito. Pra dizer a verdade, eu sou virgem. No duro. Já tive algumas oportunidades de perder minha virgindade e tudo, mas até agora nunca cheguei ao fim da linha. Sempre acontece alguma coisa. Por exemplo, se a gente está na casa de uma garota, os pais dela sempre chegam na hora errada - ou a gente fica com medo que eles cheguem. Ou, se a gente está no banco de trás do carro de alguém, tem sempre a namoradinha do outro sujeito, no banco da frente, que quer saber o que está acontecendo no carro todo. E fica virando para ver o que está se passando lá atrás. Seja lá como for, sempre acontece alguma coisa. Mas já andei muito perto de fazer o troço algumas vezes. Uma vez, eu me lembro bem, fiquei por pouco. Mas alguma coisa desandou - nem sei mais o que foi. O caso é o seguinte: na maioria das vezes que a gente está quase fazendo o negócio com uma garota - uma garota que não seja uma prostituta nem nada, evidentemente - ela fica dizendo para a gente parar. Meu problema é que eu paro. A maioria dos sujeitos não para, mas eu não consigo ser assim. A gente nunca sabe se elas realmente querem que a gente pare, ou se estão apenas com um medo danado, ou se estão pedindo que a gente pare só para que, se a gente continuar mesmo, a culpa seja só nossa, e não delas. De qualquer jeito, eu estou sempre parando. O problema é que acabo sentindo pena delas, porque quase todas as garotas são tão burrinhas... Basta um pouquinho de bolinação, e a gente que elas estão perdendo a cabeça. Quando uma garota fica excitada mesmo, a gente vê logo que ela está completamente desmiolada. Sei lá. Elas me pedem para parar, e eu paro. Quando volto para casa sempre me arrependo de ter parado, mas continuo a fazer a mesma coisa.
     De qualquer maneira, enquanto vestia uma camisa limpa, pensei cá comigo que essa era, de certo modo, minha grande chance. Pensei que, sendo ela uma prostituta e tudo, eu podia treinar um pouco para o caso de vir a me casar um dia ou coisa que o valha. Eu me preocupo com isso de vez em quando. Uma vez, no colégio Whooton, li um livro que tinha um sujeito muito experiente e sensual, um bocado sofisticado. O nome dele era Monsieur Blanchard. O livro era uma droga, mas esse Blanchard até que era bem razoável. Tinha um baita dum castelo na Riviera, na Europa, e sua distração nas horas vagas era bater nas mulheres com uma bengala. Era um cretino e tudo, mas as mulheres ficavam doidinhas por ele. A certa altura ele diz que o corpo da mulher é como um violino, e que a gente precisa ser um grande artista para tocá-lo bem. Era um livro um bocado imbecil - disso eu sei - mas de qualquer maneira não conseguia tirar da cabeça esse negócio do violino. E é por isso que eu queria mais ou menos treinar um pouco, para o caso de vir a me casar algum dia. Caulfield e seu Violino Mágico, que tal? É ridículo, não há dúvida, mas não é tão ridículo assim. Eu até que gostaria de ser bamba nesse troço. Para ser franco, quando estou me badalando com uma garota, perco metade do tempo só para encontrar aquilo que estou procurando, se é que vocês entendem o que eu quero dizer com isso. Por exemplo, essa garota com quem eu quase tive relações sexuais. Passei quase uma hora só para tirar a droga do soutien dela. Quando afinal consegui, a menina já estava a ponto de cuspir em cima de mim.
     De qualquer forma, continuei a andar pelo quarto, esperando que a prostituta aparecesse. E desejando que ela não fosse um bagulho. Mas até que não me importava muito. Só queria mesmo era acabar logo com o troço todo. Afinal, alguém bateu à porta e, quando ia abrir, minha mala estava bem no meio do caminho, tropecei e quase quebrei a droga do joelho. Escolho sempre as ocasiões mais formidáveis para tropeçar numa mala ou coisa parecida.
     Quando abri a porta, a tal prostituta estava lá esperando. Com um casaco três-quartos e sem chapéu. Era mais para o louro, mas via-se logo que ela pintava os cabelos. Mas não era nenhum bagulho.

- Como vai? - perguntei, com a voz mais melosa do mundo.

- Você é o sujeito que o Maurice falou? - perguntou. Não parecia lá muito amigável.

- O cabineiro?

- É - respondeu.

- Sou eu sim. Quer fazer o favor de entrar?

     Estava me sentindo cada vez mais superior, no duro mesmo. Ela entrou, foi logo tirando o casaco e jogando na cama. Por baixo estava com um vestido verde. Aí ela sentou de lado na cadeira em frente da escrivaninha e começou a balançar o pé para cima e para baixo. Cruzou as pernas e começou a balançar o mesmo pé para cima e para baixo. Para uma prostituta, ela era um bocado nervosa. Era mesmo. Talvez porque fosse tão moça, devia ter mais ou menos a minha idade. Sentei numa poltrona ao lado dela e lhe ofereci um cigarro.

- Eu não fumo - respondeu. Tinha uma voz fininha e fraca, a gente quase não escutava o que ela dizia. Mas nem agradecia quando alguém lhe oferecia alguma coisa. Acho que por simples ignorância.

- Permita que eu me apresente. Meu nome é Jim Steele.

- Você tem um relógio aí? - ela perguntou. Evidentemente, estava pouco ligando para o meu nome. - Êi, espera aí, quantos anos você tem?

- Eu? Vinte e dois.

- Ah, essa não!

     Era o tipo da coisa gozada dela dizer, parecia uma criança. A gente espera que uma prostituta responda "não aporrinha", ou "vai à merda", em vez de "essa não".

- E quantos anos você tem? - perguntei.

- O bastante para não ser tapeada - foi a resposta que me deu. Era realmente um bocado espirituosa. - Você tem um relógio aí? - insistiu, e aí se levantou e tirou o vestido por cima da cabeça.

     Tenho de confessar que me senti meio esquisito quando ela fez isso. É de se esperar que a gente fique todo excitado quando alguém se levanta e tira o vestido por cima da cabeça, mas não fiquei não. Excitado era talvez a última coisa que eu estava me sentindo. Estava muito mais deprimido do que excitado.

- Êi, você tem ou não tem um relógio aí contigo?

- Não, não tenho não - respondi. Puxa, estava me sentindo esquisito. - Qual é o teu nome? - perguntei.

     Ela estava só com uma combinação vermelha. Era um bocado embaraçoso, era mesmo.

- Sunny - respondeu. - Vamos logo, tá?

- Não está com vontade de conversar um pouco? - perguntei. Era o tipo da coisa infantil de dizer, mas estava me sentindo um bocado esquisito. - Você está com muita pressa?

     Olhou para mim como se eu fosse um maluco.

- Afinal, você quer conversar sobre o quê?

- Sei lá. Nada de especial. Só pensei que você talvez quisesse bater um papo.

     Ela sentou de novo na cadeira ao lado da escrivaninha. Mas via-se logo que ela não estava gostando. Começou a balançar o pé outra vez - puxa, que garota nervosa.

- Você gostaria de fumar um cigarro agora? - perguntei. Esqueci que ela não fumava.

- Eu não fumo. Escuta, se você quer falar, fala logo. Eu tenho mais o que fazer.

     Mas eu não conseguia pensar em nada para dizer. Pensei em perguntar como é que ela havia se tornado uma prostituta e tudo, mas fiquei com medo de fazer uma pergunta dessas. De qualquer maneira, provavelmente ela não teria me respondido.

- Você não é de Nova York, é? - acabei dizendo. Não consegui pensar em outra coisa.

- Hollywood - respondeu. Aí se levantou e foi até onde tinha deixado o vestido, em cima da cama. - Tem um cabide aí? Não quero que o meu vestido fique todo amassado, está saindo da lavanderia.

- Perfeitamente - respondi depressa. Fiquei muito feliz de poder me levantar e fazer alguma coisa. Levei o vestido até o armário e pendurei. Foi engraçado. Me senti meio triste quando pendurei o vestido. Pensei nela entrando numa loja para comprá-lo, sem ninguém saber que ela era uma prostituta e tudo. Provavelmente, o vendedor pensou que ela era uma garota direita. Não sei bem por que, mas o troço me deixou um bocado triste.

     Sentei de novo e procurei manter a conversa acesa. Ela era uma péssima interlocutora.

- Você trabalha toda noite? - perguntei, mas, mal tinha acabado de falar, a coisa me soou horrível.

- Trabalho.

      Ela estava andando pelo quarto. Apanhou o menu de cima da escrivaninha e ficou lendo.

- Que é que você faz durante o dia?

      Sacudiu os ombros. Era um bocado magricela.

- Durmo, vou a um cinema... - deixou de lado o menu e olhou para mim: - Vamos logo, tá? Não vou ficar aqui...

- Olha - eu disse - não estou me sentindo muito bem hoje. Tive uma noite desgraçada. No duro. Eu te pago e tudo. Você se importa se a gente não fizer o troço? Você se importa?

     O  problema é que, pura e simplesmente, eu não queria fazer o troço. Para ser sincero, estava mais deprimido do que excitado. Ela era deprimente. O vestido verde pendurado no armário e tudo. E, além disso, acho que eu não poderia nunca fazer esse troço com alguém que passa o dia inteiro sentada numa porcaria dum cinema. Acho que não poderia mesmo.
     Ela se aproximou de mim, assim com um olhar engraçado, como se não estivesse me acreditando: - Quê que há? - perguntou.

- Não há nada - respondi. Puxa, já estava começando a ficar nervoso. - Acontece que eu fui operado há pouco tempo.

- É? Aonde?

- No meu... como é que se chama... no meu clavicórdio.

- Como é que é? Onde é que fica isso?

- O clavicórdio? Bem, para dizer a verdade, é na coluna vertebral. Quer dizer, é bem lá embaixo na espinha.

- É mesmo? - ela disse. - Que pena.

     Aí ela sentou na droga do meu colo.

- Você é bonitinho.

     Ela me punha tão nervoso que eu continuei mentindo como um louco.

- Ainda estou em fase de recuperação.

- Você se parece com um sujeito que trabalha no cinema. Você sabe... Como é que é o nome dele? Você sabe quem eu estou falando. Qual é o nome dele mesmo, hem?

- Sei lá - respondi. E ela nada de sair da droga do meu colo.

- Sabe sim. Ele trabalhou naquele filme com o Melvine Douglas, era o irmão menor do Melvine Douglas. Aquele que cai do bote. Você sabe quem eu estou falando.

- Não, não sei não. Só vou ao cinema quando não tenho outro jeito.

     Aí ela começou a se fazer de engraçadinha. Pra valer.

- Você se importa de parar com isso? Não estou com vontade, já disse. Acabei de fazer essa operação.

      Nem assim saiu do meu colo, mas me jogou um olhar furioso.

- Olha, eu estava dormindo quando esse maluco desse Maurice foi me acordar. Se você pensa que eu...

- Já disse que vou te pagar e tudo por você ter vindo. Vou pagar mesmo. Tenho um bocado de dinheiro. O problema é que ainda estou me recuperando de uma séria...

- Então pra quê que você disse que queria uma garota a esse maluco do Maurice? Se você acabou de fazer uma droga duma operação na porcaria do teu negócio... Hem?

- Pensei que estaria me sentindo muito melhor do que estou. Fui um pouco prematuro nos meus cálculos. Sem brincadeira, me desculpe. Se você se levantar só um segundo vou apanhar minha carteira. No duro.

     Ela estava danada da vida, mas levantou do meu colo para que eu pudesse ir buscar minha carteira em cima da cômoda. Apanhei uma nota de cinco dólares e entreguei a ela.

- Muito obrigado - falei. - Muitíssimo obrigado.

- Aqui só tem cinco. É dez.

     Ela estava começando a bancar a engraçadinha, a gente via logo. Eu estava adivinhando que ia acontecer um troço desses.

- O Maurice me disse que era cinco. Disse que era quinze até o meio-dia e só cinco por uma bimbada.

- Uma bimbada é dez.

- Ele disse cinco. Me desculpe, mas é só isso que eu vou dar.

     Ela deu uma sacudidela de ombros, como já havia feito antes, e aí disse, muito friamente: - Você se importa de apanhar meu vestido? Ou seria muito incômodo?
     Era uma garotinha um bocado invocada. Mesmo com aquela vozinha de nada ela conseguia deixar a gente meio assustado. Se fosse uma baita duma prostituta velha, com um bocado de pintura na cara e tudo, não teria metade daquela arrogância.
     Fui apanhar o vestido para ela. Ela se vestiu e tudo, e apanhou o casaco de cima da cama.

- Até logo, bobalhão.

- Até logo - respondi. Não agradeci nem nada. Ainda bem que não agradeci.

O Apanhador no Campo de Centeio - 13: Voltei a pé para o hotel
____________

“O Apanhador” narra um fim-de-semana na vida de Holden Caulfield, jovem de 17 anos vindo de uma família abastada de Nova York. Holden, estudante de um pomposo internato para rapazes, volta para casa mais cedo no inverno depois de ter levado bomba coletiva em quase todas as matérias. Na volta para casa, ao se preparar para enfrentar o inevitável esporro da família, Holden vai refletindo sobre tudo o que (pouco) viveu, repassa sua peculiar visão de mundo e tenta enxergar alguma diretriz para seu futuro. Antes de se defrontar com os pais, procura algumas pessoas importantes para si (um professor, uma antiga namorada, sua irmãzinha) e tenta lhes explicar a confusão que passa por sua cabeça.

Nenhum comentário:

Postar um comentário