sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Ricardo Reis - Nada fica de nada. Nada somos

Fernando Pessoa






Nada fica de nada. Nada somos
 
Nada fica de nada. Nada somos.
Um pouco ao sol e ao ar nos atrasamos
Da irrespirável treva que nos pese

Da húmida terra imposta,
Cadáveres adiados que procriam.

Leis feitas, estátuas vistas, odes findas —
Tudo tem cova sua. Se nós, carnes
A que um íntimo sol dá sangue, temos
Poente, porque não elas?
Somos contos contando contos, nada.
.
28-9-1932



O mar jaz. Gemem em segredo os ventos

O mar jaz. Gemem em segredo os ventos
Em Éolo cativos,
Apenas com as pontas do tridente
Franze as águas Neptuno,
E a praia é alva e cheia de pequenos
Brilhos sob o sol claro.
Eu quisera, Neera, que o momento,
Que ora vemos, tivesse
O sentido preciso de uma frase
Visível nalgum livro.
Assim verias que certeza a minha
Quando sem te olhar digo
Que as cousas são o diálogo que os deuses
Brincam tendo connosco.
Se esta breve ciência te coubesse,
Nunca mais julgarias
Ou solene ou ligeira a clara vida,
Mas nem leve nem grave,
Nem falsa ou certa, mas assim, divina
E plácida, e mais nada.
.
6-10-1914





Sábio é o que se contenta com o espetáculo do mundo

Sábio é o que se contenta com o espetáculo do mundo,
E ao beber nem recorda
Que já bebeu na vida,
Para quem tudo é novo
E imarcescível sempre.

Coroem-no pâmpanos. ou heras. ou rosas volúveis,
Ele sabe que a vida
Passa por ele e tanto
Corta a flor como a ele
De Átropos a tesoura.

Mas ele sabe fazer que a cor do vinho esconda isto,
Que o seu sabor orgíaco
Apague o gosto ás horas,
Como a uma voz chorando
O passar das bacantes.

E ele espera, contente quase e bebedor tranquilo,
E apenas desejando
Num desejo mal tido
Que a abominável onda
O não molhe tão cedo.
.
19-6-1914



Tornar-te-ás só quem tu sempre foste

Tornar-te-ás só quem tu sempre foste.
O que te os deuses dão, dão no começo.
De uma só vez o Fado
Te dá o fado, que és um.

A pouco chega pois o esforço posto
Na medida da tua força nata —
A pouco, se não foste
Para mais concebido.

Contenta-te com seres quem não podes
Deixar de ser. Ainda te fica o vasto
Céu p’ra cobrir-te, e a terra,
Verde ou seca a seu tempo.
.
12-5-1921




Vive sem horas. Quanto mede pesa
 
Vive sem horas. Quanto mede pesa,
E quanto pensas mede.
Num fluido incerto nexo, como o rio
Cujas ondas são ele,
Assim teus dias vê, e se te vires
Passar, como a outrem, cala.
.
8-9-1932






Amo o que vejo porque deixarei

Amo o que vejo porque deixarei
Qualquer dia de o ver.
Amo-o também porque é.

No plácido intervalo em que me sinto,
Do amar, mais que ser,
Amo o haver tudo e a mim.
Melhor me não dariam, se voltassem,
Os primitivos deuses,
Que também, nada sabem.
.
11-10-1934



________________

Ricardo Reis — vida dele

O Dr. Ricardo Reis nasceu dentro da minha alma no dia 29 de Janeiro de 1914, pelas 11 horas da noite. Eu estivera ouvindo no dia anterior uma discussão extensa sobre os excessos, especialmente de realização, da arte moderna. Segundo o meu processo de sentir as coisas sem as sentir, fui-me deixando ir na onda dessa reação momentânea. Quando reparei em que estava pensando, vi que tinha erguido uma teoria neoclássica, e que a ia desenvolvendo. Achei-a bela e calculei interessante se a desenvolvesse segundo princípios que não adopto nem aceito.


Sarau... Condor e cronópio - (Julio Cortázar)

Condor e cronópio


Julio Cortázar
(1914-1984)




Um condor cai como um relâmpago sobre um cronópio que passa por Tinogasta, encurrala-o contra um muro de granito e diz com grande petulância:

Condor. “Atreve-te a dizer que não sou bonita.

Cronópio. "Você é o pássaro mais bonito que eu já vi."

Condor. "Mas todavia.

Cronópio. "Você é mais bonita que a ave do paraíso."

Condor. — Atreve-te a dizer que não voo alto.

Cronópio. “Você voa a alturas vertiginosas e é completamente supersônico e estratosférico.

Condor. "Atreve-te a dizer que eu cheiro ruim."

Cronópio. "Você cheira melhor do que um litro cheio de colônia Jean-Marie Farina."

Condor. “Cara de merda. Não deixa uma única clareira donde sacudirle un picotazo.

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Pedagogia do Oprimido - 4. A teoria da ação antidialógica (n)

Paulo Freire 




“educação como prática da liberdade”: 
alfabetizar é conscientizar 







AOS ESFARRAPADOS DO MUNDO 
E AOS QUE NELES SE 
DESCOBREM E, ASSIM 
DESCOBRINDO-SE, COM ELES 
SOFREM, MAS, SOBRETUDO, 
COM ELES LUTAM. 



4. A teoria da ação antidialógica


A TEORIA DA AÇÃO DIALÓGICA E SUAS
CARACTERÍSTICAS: A CO-LABORAÇÃO,
A UNIÃO, A ORGANIZAÇÃO E A SÍNTESE
CULTURAL


SÍNTESE CULTURAL


Em todo o corpo deste capítulo se encontra firmado, ora implícita, ora explicitamente, que toda ação cultural é sempre uma forma sistematizada e deliberada de ação que incide sobre a estrutura social, ora no sentido de mantê-la como está ou mais ou menos como está, ora no de transformá-la.

Por isto, como forma de ação deliberada e sistemática, toda ação cultural, segundo vimos, tem sua teoria, que determinando seus fins, delimita seus métodos.

A ação cultural, ou está, a serviço da dominação – consciente ou inconscientemente por parte de seus agentes – ou está a serviço da libertação dos homens.

Ambas, dialeticamente antagônicas, se processam, como afirmamos, na e sobre a estrutura social, que se constitui na dialeticidade permanência-mudança.

Isto é o que explica que a estrutura social, para ser, tenha de estar sendo ou, em outras palavras: estar sendo é o modo que tem a estrutura social de “durar”, na acepção bergsoniana do termo [1].


[1] Na verdade, o que faz que a estrutura seja estrutura social, portanto histórico- cultural, não é a permanência nem a mudança, tomadas absolutizadas, mas a dialetização de ambas. Em última análise, o que permanece na estrutura social nem é a permanência nem a mudança mas a “duração” da dialeticidade permanência-mudança.


O que pretende a ação cultural dialógica, cujas características estamos acabando de analisar, não pode ser o desaparecimento da dialeticidade permanência-mudança (o que seria impossível, pois que tal desaparecimento implicaria no desaparecimento da estrutura social mesma e o desta, no dos homens) mas superar as contradições antagônicas de que resulte a libertação dos homens.

Por outro lado, a ação cultural antidialógica o que pretende é mitificar o mundo destas contradições para, assim, evitar ou obstaculizar, tanto quanto possível, a radical transformação da realidade.

No fundo, o que se acha explícita ou implicitamente na ação antidialógica é a intenção de fazer permanecer, na “estrutura” social, as situações que favorecem a seus agentes.

Daí que estes, não aceitando jamais a transformação da estrutura, que supere as contradições antagônicas, aceitem as reformas que não atinjam a seu poder de decisão, de que decorre a sua força de prescrever suas finalidades às massas dominadas.

Este é o motivo por que esta modalidade de ação implica na conquista das massas populares, na sua divisão, na sua manipulação e na invasão cultural. E é também por isto que é sempre, como um todo, uma ação induzida, jamais podendo superar este caráter, que lhe é fundamental.

Pelo contrário, o que caracteriza, essencialmente, a ação cultural dialógica, como um todo também, é a superação de qualquer aspecto induzido.

No objetivo dominador da ação cultural antidialógica se encontra a impossibilidade de superação de seu caráter de ação induzida, assim como, no objetivo libertador da ação cultural dialógica, se acha a condição para superar a indução.

Enquanto na invasão cultural, como já salientamos, os atores retiram de seu marco valorativo e ideológico, necessariamente, o conteúdo temático para sua ação, partindo, assim, de seu mundo, do qual entram no dos invadidos, na síntese cultural, os atores, desde o momento mesmo em que chegam ao mundo popular, não o fazem como invasores.

E não o fazem como tais porque, ainda que cheguem de “outro mundo”, chegam para conhecê-lo com o povo e não para “ensinar”, ou transmitir, ou entregar nada ao povo.

Enquanto, na invasão cultural, os atores, que nem sequer necessitam de, pessoalmente, ir ao mundo invadido, sua ação é mediatizada cada vez mais pelos instrumentos tecnológicos – são sempre atore s que se superpõem, com sua ação, aos espectadores, seus objetos – na síntese cultural, os atores se integram com os homens do povo, atores, também, da ação que ambos exercem sobre o mundo.

Na invasão cultural, os espectadores e a realidade, que deve ser mantida como está, são a incidência da ação dos atores. Na síntese cultural, onde não há espectadores, a realidade a ser transformada para a libertação dos homens é a incidência da ação dos atores.

Isto implica em que a síntese cultural é a modalidade de aço com que, culturalmente, se fará frente à força da própria cultura, enquanto mantenedora das estruturas em que se forma.

Desta maneira, este modo de ação cultural, como ação histórica, se apresenta como instrumento de superação da própria cultura alienada e alienante.

Neste sentido é que toda revolução, se autêntica, tem de ser também revolução cultural.

A investigação dos “temas geradores” ou da temática significativa do povo, tendo como objetivo fundamental a captação dos seus temas básicos, só a partir de cujo conhecimento é possível a organização do conteúdo programático para qualquer ação com ele, se instaura como ponto de partida do processo da ação, como síntese cultural.

Daí que não seja possível dividir, em dois, os momentos deste processo: o da investigação temática e o da ação como síntese cultural.

Esta dicotomia implicaria em que o primeiro seria todo ele um momento em que o povo estaria sendo estudado, analisado, investigado, como objeto passivo dos investigadores, o que é próprio da ação antidialógica.

Deste modo, esta separação ingênua significaria que a ação, como síntese, partiria da ação como invasão.

Precisamente porque, na teoria dialógica, esta divisão não se pode dar, a investigação temática tem como sujeitos de seu processo, não apenas os investigadores profissionais, mas também os homens do povo, cujo universo temático se busca.

Neste momento primeiro da ação, como síntese cultural, que é a investigação, se vai constituindo o clima da criatividade, que já, não se deterá, e que tende a desenvolver-se nas etapas seguintes da ação.

Este clima inexiste na invasão cultural que, alienante, amortece o ânimo criador dos invadidos e os deixa, enquanto não lutam contra ela, desesperançados e temerosos de correr o risco de aventurar-se, sem o que não há, criatividade autêntica.

Por isto é que os invadidos, qualquer que seja o seu nível, dificilmente ultrapassam os modelos que lhes prescrevem os invasores.

Como, da síntese cultural, não há, invasores, não há modelos impostos, os atores, fazendo da realidade objeto de sua análise crítica, jamais dicotomizada da ação, se vão inserindo no processo hist6rico, como sujeitos.

Em lugar de esquemas prescritos, liderança e povo, identificados, criam juntos as pautas para sua ação. Uma e outro, na síntese, de certa forma renascem num saber e numa ação novas, que não são apenas o saber e a ação da liderança, mas dela e do povo. Saber da cultura alienada que, implicando na ação transformadora, dará, lugar à cultura que se desaliena.

O saber mais apurado da liderança se refaz no conhecimento empírico que o povo tem, enquanto o deste ganha mais sentido no daquela.

Isto tudo implica em que, na síntese cultural, se resolve – e somente nela – a contradição entre a visão do mundo da liderança e a do povo, com o enriquecimento de ambos.

A síntese cultural não nega as diferenças entre uma visão e outra, pelo contrário, se funda nelas. O que ela nega é a invasão de uma pela outra. O que ela afirma é o indiscutível aporte que uma dá à outra.

A liderança revolucionária não pode constituir-se fora do povo, deliberadamente, o que a conduz à invasão cultural inevitável.

Por isto mesmo é que, ainda quando a liderança, na hipótese referida neste capítulo, por certas condições históricas, aparece como contradição do povo, seu papel é resolver esta contradição acidental. Jamais poderá fazê-lo através da “invasão”, que aumentaria a contradição. 'Não há outro caminho senão a síntese cultural.

Muitos erros e equívocos comete a liderança ao não levar em conta esta coisa tão real, que é a visão do mundo que o povo tenha ou esteja tendo. Visão do mundo em que se vão encontrar explícitos e implícitos os seus anseios, as suas dúvidas, a sua esperança, a sua forma de ver a liderança, a sua percepção de si mesmo e do opressor, as suas crenças religiosas, quase sempre sincréticas, o seu fatalismo a sua reação rebelde. E tudo isto, como já afirmamos, não pode ser encarado separadamente, porque, em interação, se encontra compondo uma totalidade.

Para o opressor, o conhecimento desta totalidade só lhe interessa como muda à sua ação invasora, para dominar ou manter a dominação. Para a liderança revolucionária, o conhecimento desta totalidade lhe é indispensável à sua ação, como síntese cultural.

Esta, na teoria dialógica da ação, por isto mesmo que é síntese, não implica em que devem ficar os objetivos da ação revolucionária amarrados às aspirações contidas na visão do mundo do povo.

Ao ser assim, em nome do respeito à visão popular do mundo, respeito que realmente deve haver, terminaria a liderança revolucionária apassivada àquela visão.

Nem invasão da liderança na visão popular do mundo, nem adaptação da liderança às aspirações, muitas vezes ingênuas, do povo.

Concretizemos. Se, em um dado momento histórico, a aspiração básica do povo não ultrapassa a reivindicação salarial, a nosso ver, a liderança pode cometer dois erros. Restringir sua ação ao estimulo exclusivo desta reivindicação, ou sobrepor-se a esta aspiração, propondo algo que está mais além dela. Algo que não chegou a ser ainda para o povo um “destacado em si”.

No primeiro caso, incorreria a liderança revolucionária no que chamamos de adaptação ou docilidade à aspiração popular. No segundo, desrespeitando a aspiração do povo, cairia na invasão cultural.

A solução está, na síntese. De um lado, incorporar-se ao povo na aspiração reivindicativa. De outro, problematizar o significado da própria reivindicação.

Ao fazê-lo, estará problematizando a situação histórica real, concreta, que, em sua totalidade, tem, na reivindicação salarial, uma dimensão.

Deste modo, ficará, claro que a reivindicação salarial, sozinha, não encarna a solução definitiva. Que esta se encontra, como afirmou o bispo Split, no documento já citado dos Bispos do Terceiro Mundo, em que “se os trabalhadores não chegam, de alguma maneira, a ser proprietários de seu trabalho, todas as reformas estruturais serão ineficazes”.

O fundamental, por isto, insiste o bispo, é que eles devem chegar a ser “proprietários e não vendedores de seu trabalho”, porque “toda compra ou venda do trabalho é uma espécie de escravidão”.

Ter a consciência critica de que é preciso ser o proprietário de seu trabalho e de que “este constitui uma parte da pessoa humana” e que a “pessoa humana não pode ser vendida nem vender-se” é dar um passo mais além das soluções paliativas e enganosas. É inscrever-se numa ação de verdadeira transformação da realidade para, humanizando-a, humanizar os homens.

Finalmente, a invasão cultural, na teoria antidialógica da ação, serve à manipulação que, por sua vez, serve à conquista e esta à dominação, enquanto a síntese serve à organização e esta à libertação.



Todo o nosso esforço neste ensaio foi falar desta coisa óbvia: assim como o opressor, para oprimir, precisa de uma teoria da ação opressora, os oprimidos para se libertarem, igualmente necessitam de uma teoria de sua ação.

O opressor elabora a teoria de sua ação necessariamente sem o povo, pois que é contra ele.

O povo, por sua vez, enquanto esmagado e oprimido, introjetando o opressor, não pode, sozinho, constituir a teoria de sua ação libertadora. Somente no encontro dele com a liderança revolucionária, na comunhão de ambos, na práxis de ambos, é que esta teoria se faz e se re-faz.

A colocação que, em termos aproximativos, meramente introdutórios, tentamos fazer da questão da pedagogia do oprimido, nos trouxe à análise, também aproximativa e introdutória, da teoria da ação antidialógica, que serve à opressão e da teoria dialógica da ação, que serve à libertação.

Desta maneira, nos daremos por satisfeitos se, dos possíveis leitores deste ensaio, surjam criticas capazes de retificar erros e equívocos, de aprofundar afirmações e de apontar o que não vimos.

É possível que algumas destas críticas se façam pretendendo retirar de nós o direito de falar sobre matéria – a tratada neste capítulo – em torno de que nos falta uma experiência participante. Parece- nos, contudo, que o fato de não termos tido uma experiência no campo revolucionário, não nos retira a possibilidade de uma reflexão sobre o tema.

Mesmo porque, na relativa experiência que temos tido com massas populares, como educador, com uma educação dialógica e problematizante, vimos acumulando um material relativamente rico, que foi capaz de nos desafiar a correr o risco das afirmações que fizemos.

Se nada ficar destas páginas, algo, pelo menos, esperamos que permaneça: nossa confiança no povo. Nossa fé nos homens e na criação de um mundo em que seja menos difícil amar.



fim?

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PAULO FREIRE

PEDAGOGIA DO OPRIMIDO

23ª Reimpressão

PAZ E TERRA


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Leia também:

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Pedagogia do Oprimido -  4. A teoria da ação antidialógica  (m)
Pedagogia do Oprimido -  4. A teoria da ação antidialógica  (n)
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© Paulo Freire, 1970
Capa
Isabel Carballo
Revisão
Maria Luiza Simões e Jonas Pereira dos Santos
(Preparação pelo Centro de Catalogação -na-fonte do
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ)


Freire, Paulo
F934p Pedagogia do oprimido, 17ª. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987
(O mundo, hoje, v.21)


1. Alfabetização – Métodos 2. Alfabetização – Teoria I. Título II. Série
CDD-374.012
-371.332
77-0064 CDD-371.3:376.76

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1994

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Educação como Prática da Liberdade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1967; e Pedagogia do Oprimido


"Quem atua sobre os homens para, doutrinando-os, adaptá-los cada vez mais à realidade que deve permanecer intocada, são os dominadores." 

quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Victor Hugo - Os Miseráveis: Fantine, Livro Sexto - Javert / I — Princípio de repouso

Victor Hugo - Os Miseráveis


Primeira Parte - Fantine

Livro Sexto — Javert



I — Princípio de repouso  


Madelaine mandou transportar Fantine para a enfermaria que estabelecera na sua própria casa e confiou-a aos cuidados das duas irmãs de caridade, que trataram imediatamente de a deitar. Sobreviera-lhe uma febre ardente, de modo que passou parte da noite a delirar e a falar em voz alta. Por fim, adormeceu.
Quando no dia seguinte, por volta do meio-dia acordou, ouviu o sussurro de uma respiração muito próximo do leito, desviou o cortinado e deu com os olhos em Madelaine, de pé e olhando para o que quer que fosse que lhe ficava em frente Naquele olhar lia-se a piedade, a aflição e a súplica; Fantine seguiu lhe a direção e viu que se dirigia para um crucifixo pregado na parede.
Madelaine estava transfigurado aos olhos de Fantine. Afigurava-se vê-lo rodeado de luz e absorvido numa oração. Contemplou-o durante muito tempo sem o interromper, até que por fim disse-lhe timidamente:

— Que está aí a fazer?

Havia uma hora que Madelaine ali estava, esperando que Fantine acordasse. Pegou-lhe na mão, tomou-lhe o pulso e respondeu:

— Como está?

— Muito bem, dormi bastante e creio que estou melhor. Isto não há de ser nada.

Madelaine continuou, respondendo à pergunta que ela primeiro lhe fizera, como se ainda a ouvisse:

— Eu orava ao mártir que está no céu. 
— e acrescentou no seu pensamento: «Pela mártir que está na terra».

Madelaine, que levara a noite e a manhã a colher informações, já sabia tudo, conhecia a história de Fantine nos seus mais pungentes pormenores. Continuou, pois:

— Pobre mãe, o que tem sofrido! Mas não se lastime agora, porque tem o dote dos escolhidos da mão de Deus. É assim que os homens fazem anjos. Mas não é por culpa deles; não sabem consegui-lo de outro modo. Esse inferno de que saiu é a primeira forma do céu. Era indispensável começar assim.

E suspirou profundamente. Fantine, porém, sorria-lhe, com esse sorriso sublime a que faltavam dois dentes.

Naquela mesma noite, Javert escreveu uma carta que foi pessoalmente entregar na administração do correio de Montreuil-sur-mer no dia seguinte pela manhã. Era para Paris e ia dirigida ao senhor Chafoouillet, secretário do senhor prefeito da polícia. Como o caso passado na repartição de polícia se havia divulgado, tanto os empregados do correio, como outras pessoas que viram a carta antes de seguir o seu destino e reconheceram a letra de Javert, julgaram que era a sua demissão o que ele enviava.
Madelaine apressou-se a escrever aos Thenardier, aos quais Fantine devia cento e vinte francos e a quem ele remeteu trezentos, dizendo-lhes que se pagassem daquela quantia e trouxessem logo a criança a Montreuil-sur-mer, onde sua mãe doente a reclamava.
Os Thenardier ficaram deslumbrados.

— Com a fortuna! — exclamou o estalajadeiro, dirigindo-se à mulher.

— Não devemos entregar a pequena, parece-me que vai ser uma mina. Eu já sei o que isto é: foi algum papalvo que se agradou da mãe.

A sua resposta foi uma conta de quinhentos e tantos francos. Nesta conta figuravam, deitando a mais de trezentos francos, duas verbas incontestáveis: uma de um médico e outra de um boticário, os quais tinham sido, respectivamente, assistente e fornecedor dos remédios em duas longas doenças de Azelma e Eponine. Cosette nunca estivera doente. Bastava portanto uma substituição de nomes para o negócio ser perfeito.
Thenardier escreveu no fim da carta: Recebi por conta trezentos francos.
Madelaine enviou imediatamente mais trezentos francos, recomendando que não se demorassem em mandar Cosette.

— Pois sim! Agora é que não a devemos largar!

Entretanto, Fantine não melhorava e continuava a permanecer na enfermaria.
As irmãs de caridade só com repugnância é que a princípio aceitaram e trataram «daquela mulher perdida». Quem tem visto os baixos-relevos de Reims, lembra-se da intumescência do lábio inferior das virgens castas olhando para as mulheres impudicas. Este antigo desprezo das vestais pelas mulheres da vida fácil é um dos mais profundos instintos da dignidade feminina; sentiram-no as irmãs, com o acréscimo de intensidade que lhes dá a religião. Fantine desarmou-as, porém, em poucos dias, com as suas palavras cheias de doçura e humildade e com aquele enternecimento a que se não pode vedar o coração em presença de uma mulher que é mãe.
Um dia, as irmãs ouviram-na dizer, no meio do delírio da febre:

— Tenho sido uma pecadora, mas se chegar a ter comigo a minha filha, é porque Deus me perdoou. Enquanto estive na má vida, não quis Cosette na minha companhia, porque não poderia suportar o espanto triste dos seus belos olhos. Contudo, foi por ela que eu me fiz má, e é talvez por isso que Deus me perdoou. Sentirei a bênção do Senhor quando ela aqui estiver vendo a sua inocência, sentir-me-ei melhor. Ela não sabe nada. É um anjo, minhas irmãs. Naquela idade, ainda se conservam as asas.

Madelaine ia vê-la duas vezes por dia, e ela perguntava-lhe sempre:

— Quando verei a minha Cosette?

— Talvez amanhã — respondia-lhe ele. — Deve chegar de um momento para o outro.

E o rosto pálido da mãe resplandecia.

— Que felicidade eu vou ter! — dizia ela.

Fantine não se restabelecia, pelo contrário, o seu estado agravava-se de semana para semana. Aquele punhado de neve aplicado sobre a pele nua, entre as duas omoplatas, determinara uma súbita supressão de transpiração, em virtude da qual veio a declarar-se com a maior violência a doença que ela havia muitos anos como que chocava dentro de si. Começavam então a seguir-se as belas indicações de Laeinnec no estudo e tratamento das doenças de peito. O médico observou Fantine e abanara a cabeça.
Madelaine perguntou ao clínico:

— Então?

— Ela não tem uma filha a quem deseja ver? — inquiriu o médico.

— Tem.

— Nesse caso apresse-se em a mandar buscar.

Madelaine sentiu um estremecimento.

— O que disse o médico? — perguntou-lhe Fantine.

Madelaine respondeu, esforçando-se por sorrir:

— Disse que lhe mandasse buscar a sua filha, porque bastaria isso para lhe dar saúde.

— E tem razão! — replicou ela. — Mas que interesse têm os Thenardier para se demorarem tanto em a trazer? Não pode tardar. Vejo finalmente a felicidade perto de mim.

Entretanto, os Thenardier não largavam a pequena, dando para isso uma série de péssimas razões. Cosette andava um pouco adoentada, para se expor ao risco de fazer a jornada no Inverno. E, além disso, havia ainda umas dividazitas importunas na terra, cujas contas andava a ajuntar, etc., etc.

— Mandarei alguém buscar Cosette — disse Madelaine — e, se for preciso, irei eu mesmo.

Sob a indicação de Fantine, escreveu a seguinte carta, fazendo-a depois assinar:

Senhor Thenardier:
Queira ter a bondade de entregar Cosette ao portador desta carta.
As pequenas dívidas de que fala ser-lhe-ão todas pagas.
Sou com a maior consideração Fantine.

Entretanto, sobreveio um grave incidente. Por mais que lidemos para modelar com a perfeição que nos é possível essa misteriosa massa de granito de que a nossa vida é feita, jamais chegamos a fazer-lhe desaparecer o véu negro, nela impresso pela mão do destino.


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Victor-Marie Hugo (1802—1885) foi um novelista, poeta, dramaturgo, ensaísta, artista, estadista e ativista pelos direitos humanos francês de grande atuação política em seu país. É autor de Les Misérables e de Notre-Dame de Paris, entre diversas outras obras clássicas de fama e renome mundial.


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Leia também:

Victor Hugo - Os Miseráveis: Fantine. Livro Primeiro - I — O abade Myriel
Victor Hugo - Os Miseráveis: Fantine, Livro Segundo - I — No fim de um dia de marcha
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Victor Hugo - Os Miseráveis: Fantine, Livro Quarto -    I  Confiar é por vezes abandonar
Victor Hugo - Os Miseráveis: Fantine, Livro Sexto   - Javerte       — I
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Victor Hugo

OS MISERÁVEIS

Título original: Les Misérables (1862)
Tradução: Francisco Ferreira da Silva Vieira (1851-1888)

terça-feira, 27 de setembro de 2022

Los Poetas del Amor... José María Gabriel y Galán (España)

Los Poetas del Amor (88)



Eu aprendi no lar em que se funda
a felicidade mais perfeita,
e para torná-la minha
Eu queria ser como meu pai era
e procurei uma mulher como minha mãe
entre as filhas da minha nobre terra.

Mas é bem conhecido
que ela não vive mais;
o coração, a vida da casa
que animou o dever das tarefas,
a mão benevolente
que com os sais dos bons ensinamentos
ele amassou tanto pão para os pobres
que regou, suando, nossa fazenda.






EL AMA

I

Yo aprendí en el hogar en qué se funda
la dicha más perfecta,
y para hacerla mía
quise yo ser como mi padre era
y busqué una mujer como mi madre
entre las hijas de mi hidalga tierra.
Y fui como mi padre, y fue mi esposa
viviente imagen de la madre muerta.
¡Un milagro de Dios, que ver me hizo
otra mujer como la santa aquella!
Compartían mis únicos amores
la amante compañera,
la patria idolatrada,
la casa solariega,
con la heredada historia,
con la heredada hacienda.
¡Qué buena era la esposa
y qué feraz mi tierra!
¡Qué alegre era mi casa
y qué sana mi hacienda,
y con qué solidez estaba unida
la tradición de la honradez a ellas!
Una sencilla labradora, humilde,
hija de oscura castellana aldea;
una mujer trabajadora, honrada,
cristiana, amable, carñosa y seria,
trocó mi casa en adorable idilio
que no pudo soñar ningún poeta.
¡Oh, cómo se suaviza
el penoso tragín de las faenas
cuando hay amor en casa
y con él mucho pan se amasa en ella
para los pobres que a su sombra vivien,
para los pobres que por ella bregan!
¡Y cuánto lo agradecen, sin decirlo,
y cuánto por la casa se interesan,
y cómo ellos la cuidan,
y cómo Dios la aumenta!
Todo lo pudo la mujer cristiana,
logrólo todo la mujer discreta.
La vida en la alquería
giraba en torno de ella
pacífica y amable,
monótona y serena...
¡Y cómo la alegría y el trabajo
donde está la virtud se compenetran!
Lavando en el regato cristalino
cantaban las mozuelas,
y cantaba en los valles el vaquero,
y cantaban los mozos en las tierras,
y el aguador camino de la fuente,
y el cabrerillo en la pelada cuesta...
¡Y yo también cantaba,
que ella y el campo hiciéronme poeta!
Cantaba el equilibrio
de aquel alma serena
como los anchos cielos,
como los campos de mi amada tierra;
y cantaba también aquellos campos,
los de las pardas, onduladas cuestas,
los de los mares de enceradas mieses,
los de las mudas perspectivas serias,
los de las castas soledades hondas,
los de las grises lontananzas muertas...
El alma se empapaba
en la solemne clásica grandeza
que llenaba los ámbitos abiertos
del cielo y de la tierra.
¡Qué placido el ambiente,
qué tranquilo el paisaje, qué serena
la atmósfera azulada se extendía
por sobre el haz de la llanura inmensa!
La brisa de la tarde
meneaba, amorosa, la alameda,
los zarzales floridos del cercado,
los guindos de la vega,
las mieses de la hoja,
la copa verde de la encina vieja...
¡Monorrítmica música del llano,
qué grato tu sonar, qué dulce era!
La gaita del pastor en la colina
lloraba las tonadas de la tierra,
cargadas de dulzuras,
cargadas de monótonas tristezas,
y dentro del sentido
caían las cadencias
como doradas gotas
de dulce miel que del panal fluyeran.
La vida era solemne;
puro y sereno el pensamiento era;
sosegado el sentir, como las brisas;
mudo y fuerte el amor, mansas las penas,
austeros los placeres,
raigadas las creencias,
sabroso el pan, reparador el sueño,
fácil el bien y pura la conciencia.
¡Qué deseos el alma
tenía de ser buena
y cómo se llenaba de ternura
cuando Dios le decía que lo era!

II

Pero bien se conoce
que ya no vive ella;
el corazón, la vida de la casa
que alegraba el tragín de las tareas,
la mano bienhechora
que con las sales de enseñanzas buenas
amasó tanto pan para los pobres
que regaban, sudando, nuestra hacienda.
¡La vida en la alquería
se tiñó para siempre de tristeza!
Ya no alegran los mozos la besana
con las dulces tonadas de la tierra,
que al paso perezoso de las yuntas
ajustaban sus lánguidas cadencias.
Mudos de casa salen,
mudos pasan el día en sus faenas,
tristes y mudos vuelven
y sin decirse una palabra cenan;
que está el aire de casa
cargado de tristeza,
y palabras y ruidos importunan
la rumia sosegada de las penas.
Y rezamos reunidos el rosario
sin decirnos por quién..., pero es por ella,
que aunque ya no su voz a orar nos llama,
su recuerdo querido nos congrega,
y nos pone el rosario entre los dedos
y las santas plegarias en la lengua.
¡Qué días y qué noches!
¡Con cuánta lentitud las horas ruedan
por encima del alma que está sola
llorando en las tinieblas!
Las sales de mis lágrimas amargan
el pan que me alimenta;
me cansa el movimiento,
me pesan las faenas,
la casa me entristece
y he perdido el cariño de la hacienda.
¡Qué me importan los bienes
si he perdido mi dulce compañera!
¡Qué compasión me tiene mis criados
que ayer me vieron con el alma llena
de alegrías sin fin que rebosaban
y suyas también eran!
Hasta el hosco pastor de mis ganados,
que ha medido la hondura de mi pena,
si llego a su majada
baja los ojos y ni hablar quisiera;
y dice al despedirme: «Ánimo, amo;
"haiga" mucho valor y "haiga pacencia"...»
Y le tiembla la voz cuando lo dice
y se enjuga una lágrima sincera,
que en la manga de la áspera zamarra
temblando se le queda...
¡Me ahogan estas cosas,
me matan de dolor estas escenas!
¡Que me anime, pretende, y él no sabe
que de su choza en la techumbre negra
le he visto yo escondida
la dulce gaita aquélla
que cargaba el sentido de dulzura
y llenaba los aires de cadencias!...
¿Por qué ya no la toca?
¿Por qué los campos su tañer no alegra?
Y el atrevido vaquerillo sano,
que amaba a una mozuela
de aquellas que trajinan en la casa,
¿por qué no ha vuelto a verla?
¿Por qué no canta en los tranquilos valles?
¿Por qué no silba con la misma fuerza?
¿Por qué no quiere restallar la honda?
¿Por qué esta muda la habladorara legua
que al amo le contaba sus sentires
cuando el amo le daba su licencia?
«¡El ama era una santa!»...,
me dicen todos cuando me hablan de ella.
«¡Santa, santa!», me ha dicho
el viejo señor cura de la aldea,
aquel que le pedía
las limosnas secretas
que de tantos hogares ahuyentaban
las hambres y los fríos y las penas.
¡Por eso los mendigos
que llegan a mi puerta
llorando se descubren
y un padrenuestro por el «ama» rezan!
El velo del dolor me ha oscurecido
la luz de la belleza.
Ya no saben hundirse mis pulilas
en la visión serena
de los espacios hondos,
puros y azules, de extensión inmensa.
Ya no sé traducir la poesía,
ni del alma en la médula me entra
la inmensa melodía del silencio
que en la llanura quieta
parece que descansa,
parece que se acuesta.
Será puro el ambiente, como antes,
y la atmósfera azul será serena,
y la brisa amorosa
moverá con sus alas la alameda,
los zarzales floridos,
los guindos de la vega,
las mieses de la hoja,
la copa verde de la encina vieja...
Y mugirán los tristes becerrillos,
lamentando el destete, en la pradera,
y la de alegres recentales dulces
tropa gentil escalará la cuesta
balando plañideros
al pie de las dulcísimas ovejas;
y cantará en el monte la abubilla,
y en los aires la alondra mañanera
seguirá derritiédose en gorjeos,
musical filigrana de su lengua...
Y la vida solemne de los mundos
seguirá su carrera
monótona, inmutable,
magnífica, serena...
Mas ¿qué me importa todo,
si el vivir de los mundos no me alegra,
ni el ambiente me baña en bienestares,
ni las brisas a música me suenan,
ni el cantar de los pájaros del monte
estimula mi lengua,
ni me mueve a ambición la perspectiva
de la abundante próxima cosecha,
ni el vigor de mis bueyes me envanece,
ni el paso del caballo me recrea,
ni me embriaga el olor de las majadas,
ni con vértigos dulces me deleitan
el perfume del heno que madura
y el perfume del trigo que se encera?
Resbala sobre mí sin agitarme
la dulce poesía en que se impregnan
la llanura sin fin, toda quietudes,
y el magnífico cielo, todo estrellas,
y ya mover no pueden
mi alma de poeta,
ni las de mayo auroras nacarinas
con húmedos vapores en las vegas,
con cánticos de alondra y con efluvios
de rociadas frescas,
ni éstos de otoño atardeceres dulces
de manso resbalar, pura tristeza
de la luz que se muere
y el paisaje borroso que se queja...
ni las noches románticas de julio,
magníficas, espléndidas,
cargadas de silencios rumorosos
y de sanos perfumes de las eras;
noches para el amor, para la rumia
de las grandes ideas,
que a la cumbre al llegar de las alturas
se hermanan y se besan...
¡Cómo tendré yo el alma,
que resbala sobre ella
la dulce poesía de mis campos
como el agua resbala por la piedra!
Vuestra paz era imagen de mi vida,
¡oh campos de mi tierra!
Pero la vida se me puso triste
y su imagen de ahora ya no es esa:
en mi casa, es el frío de mi alcoba,
es el llanto vertido en sus tinieblas;
en el campo, es el árido camino
del barbecho sin fin que amarillea.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Pero yo ya sé hablar como mi madre
y digo como ella
cuando la vida se le puso triste:
«¡Dios lo ha querido así! ¡Bendito sea!»





Homenagem por ocasião do Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher. 
Locução recitada de memória de um poema chamado "La Mujer", do poeta José María Gabriel y Galán.




Cuando pueda arrancar de los infiernos
legiones de cariátides humanas,
cuando pueda traer de los edenes
almas de luz con luz apacentadas;
cuando sepa sondear el de los réprobos
infame corazón, lleno de llagas;
cuando sepa sentir el de los ángeles
sentir divino de purezas diáfanas...

Cuando aprenda un idioma no creado
para la grey humana,
que tiene, para hablar, artificiosos
idiomas de paupérrimas palabras,
y no percibe músicas mejores
que el resbalar de las corrientes aguas,
el rebullir de mañaneras brisas,
el arrullar de las palomas cándidas,
y el dulce son de los canoros pájaros,
y el hojear de la alameda gárrula,
ni músicas más hórridas describe
que el fiero aullido de la loba escuálida,
la carcajada del siniestro cárabo,
los alaridos de la hiena flaca,
el silbo horrible de falaz serpiente
y el grito ronco de feroz borrasca...

Cuando aprenda a vibrar todos los rayos
de la tremenda maldición que mata
los gérmenes maléficos
que anidan en las llagas,
y a dar aprenda en bendiciones puras
del alto Edén anticipadas ráfagas,
¡entonces te diré, curioso amigo,
lo que son las mujeres!...

¡Qué!... ¿Te extraña?
Decir que son demonios,
que son flores con alma,
que son blancos arcángeles...
me parece decir cosas muy pálidas.
y si en decires del humano idioma
yo pretendiera bosquejar sus almas,
tal vez oyeras con atento oído
rumor de abismos y batir de alas;
pero la vida de los dos es corta
para que yo, con ruidos de palabras,
cantar pudiese el colosal poema,
maridaje de luz y sombras trágicas,
y tú sentirlo en sus negruras hondas,
y tú sentirlo en sus altezas diáfanas.

Mientras aprendo a contestar, ¡oh amigo!,
tu pregunta abismática,
sigue a la letra mi consejo sano,
regla prudente de conducta sabia;
golpear en la puerta del misterio
es brega estéril de curiosas almas;
cierra los ojos para ver más claro,
vuela y no escarbes, sintetiza y ama,
y canta a la mujer cuando la veas
en el trono de reina de su casa,
o ante la cuna acariciando al hijo,
o ante el sepulcro derramando lágrimas,
o en la sombra de un claustro recluida,
o esperando al esposo desvelada,
o en el templo cantándole a la Virgen
dudas, temores, inquietudes, ansias...

¡Cántala dondequiera que la veas,
ángel o mártir, heroína o santa!
Y si tienes un día
la pena de encontrarla
caída en los infames pudrideros
donde a los suyos el infierno enfanga,
y no puedes hacer el bien supremo
de redimir su alma...
en vez de una canción fustigadora,
dedícale en silencio una plegaria...

Mejor que ver la llaga al microscopio
es cubrirla de bálsamo y curarla.






La espigadora







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José María Gabriel y Galán nasceu em 28 de junho de 1870 em Frades de la Sierra, uma pequena cidade da província de Salamanca, que na época fazia parte Castilla la Vieja e hoje Salamanca é um das nove províncias que compõem a autonomia de Castela e Leão (Espanha). 
Sua infância é passada em sua cidade natal e lá em sua escola aprende as primeiras letras. Aos 15 anos ele mudou-se para a capital, Salamanca, onde continuou a sua estudos. Para não sobrecarregar ainda mais a economia familiar, procurou emprego num armazém de tecidos que alternava com seus estudos. A partir desta estadia na capital de Salamanca, datam seus primeiros escritos em verso, que ao torná-los conhecidos aos amigos, ele é elogiado e encorajado a continuar escrevendo poesia. 
Em 1888 obteve o título de professor de escola e foi designado até a cidade de Guijuelo, distante 20 km de sua cidade natal.
Depois de uma curta estada na escola nesta cidade, ele mudou-se para Madrid para estudar na Escola Normal Central.
Ele vive na capital da Espanha por um curto período de tempo, uma vez que esta cidade cosmopolita desperta em José María uma certa rejeição, revelado em algumas das cartas que ele escreve para seus amigos, no qual ele o chama pelo nome de "Modernópolis". Mais tarde, seu novo destino como mestre de escola fica em Piedrahita, (Ávila). Lá ele se dedica a pedagogia usando os novos conhecimentos adquiridos durante seu tempo na Escola Normal Central de Madrid.
Há conhecimento deste período de sua permanência em Piedrahita, através das cartas que escreve a alguns amigos, que assinou com o pseudônimo "O Solitário", tal era o mau humor em que o jovem mestre estava na época.
José María Gabriel y Galán estava se delineando como um menino triste, melancólico e muito sensível e atento ao mundo ao seu redor. 
De convicções profundamente religiosas recebidas de sua mãe, Dona Bernarda, seus primeiros poemas são os fiéis reflexo de suas crenças. Em uma das cartas enviadas a um amigo, podemos descobrir o que o poeta sensível pensou sobre o castigo desumano que para a sua moral o castigo de morte, aplicado na Espanha na época: 
«... passado amanhã, fará justiça nesta cidade, o triste
espetáculo da execução do preso de um crime cometido
em um pasto nesta comarca, há dois anos.
Deus o abençoe no céu...»
De sua vida monótona de solidão e tristeza que por isso tempo caracterizou o jovem poeta, ele veio buscar a paixão por Desideria, por volta de 1893. Quatro anos depois, em dezembro de 1897, anunciou seu casamento com Desideria, ("minha vaqueira", como ele costumava chamá-la amorosamente). Em 26 de janeiro de 1898, em uma igreja Plasencia, casou-se com José María e Desideria.
A partir desse momento, a vida do jovem poeta experimenta uma mudança radical; abandona sua dedicação como professor na escola Piedrahita, e mudou-se para a cidade de Cáceres de Guijo de Granadilla, onde é responsável pela direção e administração de uma grande pastagem na Extremadura chamada "El Tejar", propriedade do tio de sua esposa. Encontre assim, a calma que o espírito sensível do nosso poeta precisa: a dedicação ao cultivo do campo e da alma. Devido a paz que esta nova ocupação lhe dá, e devido também à sua sensibilidade e à sua capacidade de observador atento, dedica-se a escrever o que o inspira no novo ambiente retratam a vida dos humildes camponeses que trabalham; dos habitantes daquelas pequenos núcleos rurais da Extremadura; de amores entre os meninos pastores e os jovens cães pastores...
Seu primeiro filho (Jesus, 1898) nasceu naquela cidade, que o inspira a compor a poesia “El Cristu benditu” com o qual inicia seu famoso EXTREMEÑAS em que o uso da língua vernácula, "el castúo", aroma e vivifica a musa do poeta. Nessa poesia o autor reflete a vida cinza que ele passou em sua juventude e a grande mudança para a alegria que ele sente com seu novo emprego e o nascimento de seu filho.
Seu segundo filho nasce em 27 de fevereiro de 1901. 
Em 15 de setembro de 1901, são comemorados no cidade de Salamanca os jogos florais, nos quais, em solene ato, "a flor natural" é entregue a Gabriel e Galán, como prêmio por sua bela poesia "El ama". 
A partir daí, começou a dar-se a conhecer como jovem e único poeta. Publica o seu livro de poesia intitulado "Castellanas".
O sucesso adquirido por esta publicação faz o autor retornar publicar seu segundo livro intitulado "Extremeñas" e pouco depois mais tarde, um terceiro título "Novas castellanas".
Em 1902 triunfou nos jogos florais de Saragoça; no ano seguinte obtém os prêmios da flor natural, nos jogos florais de Múrcia, Lugo e Sevilha. A fama com que este jovem poeta, no panorama da popularidade, adquiriu rápido crescimento em um curto espaço de tempo. Ano 1903 é concedido pelo município de Guijo de Granadilla com o prémio de "Filho Adotado" desta vila de Cáceres pertencente à região natural de Las Hurdes. Por corresponder com toda a gratidão a tal nomeação, prepara um belo poema intitulado "Só para o meu lugar" que é estreado e recitado por seu autor em ato tão solene, na segunda-feira, 13 de abril de 1903.
Em 1904 recebeu uma homenagem na Argentina por ter sido premiado com sua poesia "Song to work".
Toda a sua poesia desenvolve-se num ambiente camponês e rural.
Ele sabia cantar como ninguém, a beleza da alma simples do camponeses da Extremadura e Salamanca. Ele fez a poesia mais muito pobre do povo simples do então muito pobre região natural de "Las Hurdes" que mais tarde soube retratar a O hispano-mexicano Luis Buñuel com seu filme "Tierra sin pan".
Sua extensa e valiosa obra é de excelente e sublime simplicidade, com o uso de palavras e frases livres de filigrana artificial e sofisticação, que são os vime com o qual constrói uma poesia popular de alta sonoridade e rima cuidadosa, que facilmente permeia o compreensão dos menos educados nas artes literárias.
Seu verso abrange uma ampla gama de compassos que vão desde o hexadecassílabos para hexadecassílabos. Seus versos mais usados São o romance, a quadra, a redondilla, o limerick, a sextilla e a serventesio.
Seus poemas publicados são agrupados sob os títulos: mulheres camponesas; castelhano; religioso; Estremadura; Histórias e poesia; Novas Castellanas; Poemas; etc...
Nos poemas escritos no vernáculo estrangeiro, "el castúo" e em alguma outra expressão de uma língua populares, para apontar que eles não pertencem à linguagem correta castelhano-espanhol, são destacados em itálico.

* * *
Em 6 de janeiro de 1905, aos 35 anos, como resultado de uma pneumonia mal curada, o nosso jovem poeta morre no Guijo de Granadilla (Cáceres), onde o seu município mantém a casa onde morou, como museu onde pode expor seus pertences pessoais mais querido do poeta junto com manuscritos e livros, doados por seus descendentes.


Dostoiévski - O Idiota: Primeira Parte (10.) - De repente um vozerio

O Idiota



Fiódor Dostoiévski


Tradução portuguesa por José Geraldo Vieira


Primeira Parte


10.


De repente um vozerio de muita gente na entrada. Os que restavam na sala de visitas tiveram a impressão de que muitas pessoas tinham subido e que outras ainda estavam na escada. Uma porção de vozes falando e exclamando ao mesmo tempo; e isso tanto em cima como lá embaixo; a porta do patamar evidentemente tinha sido escancarada. Que visitas seriam essas. E todos, na sala, se entreolharam. Gánia saiu apressadamente em direção à sala de jantar, onde diversos dos recém-chegados já se aglomeravam. E nisto gritou uma voz:

- Lá vem ele, o Judas! Como vai você, Gánia, seu tratante?

De onde estava, o príncipe ouviu e reconheceu de quem era essa voz.
Uma outra voz prorrompeu:

- Cá está ele! Cá está ele em pessoa!

O príncipe não teve a menor dúvida: a primeira voz era de Rogójin e a segunda era de Liébediev. Gánia estacou, petrificado, olhando para eles em silêncio; e apesar de parado na porta entre um cômodo e outro não conseguiu embargar a passagem de umas dez ou doze pessoas que acompanhavam Parfión Rogójin rumo à sala de jantar. Era um bando misturadíssimo, inconcebível, de gente ordinária. A maioria entrou conforme chegara, ainda com seus sobretudos e peles. Nenhum deles estava propriamente bêbado, mas vinham todos fazendo algazarra. Só mesmo assim em grupo é que poderiam ter a audácia de entrar, o que fizeram em bolo compacto. O próprio Rogójin conteve seu ímpeto à frente dos comparsas, malgrado seu ar resoluto. O rosto sombrio e façanhudo patenteava seu alvoroço. Depois de Liébediev apareceu Zaliójev, que arremessara a peliça sobre um móvel da saleta de entrada e ostentava sua decisão, assim com aquele cabelo revolto, e uma coragem de espalha-brasas. Seguiam-no outros dois indivíduos com o mesmo feitio, parecendo comerciantes, um homem com um capotão militar e o outro, gorducho. que entrou às gargalhadas. Depois um hércules espadaúdo, sombrio e silencioso, decerto porque confiava nos próprios punhos. Entrou também um estudante de Medicina, com um polaco mirrado que aderira ao bloco na rua, momentos antes. Duas mulheres quaisquer enfiaram os focinhos na porta do sobrado, mas não se aventuraram a entrar, mesmo porque Kólia lhes bateu com a porta nas fuças, correndo o ferrolho depois.

- Como vai a vidinha, Gánia? Hein, seu maroto?! Pela certa não esperava por Parfión Rogójin, hein? - tornou a falar Rogójin adiantando-se na direção da sala de visitas sem tirar os olhos de cima de Gánia. Mas, de súbito, deu com Nastássia Filíppovna lá dentro, sentada de frente para a sala de jantar. Ah! Nem por sonhos esperava dar com ela naquela casa; a prova foi que quando a viu, ficou tão atarantado que seu rosto se tornou lívido a ponto de os lábios tomarem uma coloração azul.

- Com que então é verdade? - disse isso bem devagar, inteiramente desconcertado; e até perdeu o modo insofrido com que entrara. - Então a coisa está liquidada mesmo?... Há... Você vai me pagar, e bem caro - rosnou, encarando Gánia com uma fúria repentina e incrível. - Há, há, vamos ver! Faltou-lhe o ar, quase não pôde dizer as últimas palavras. Como um autômato penetrou na sala de visitas, logo se detendo, porém, ao dar com Nina Aleksándrovna e Vária. Emoção e embaraço o sustiveram. Atrás dele entrou Liébediev, bêbado que nem se aguentava, e ainda assim o seguindo como sombra. Também transpuseram o portal o estudante, o brutamontes dos punhos e Zaliójev, este então fazendo mesuras a torto e a direito; por último se insinuou o homenzinho gorducho. A presença de senhoras os constrangeu; mas tal respeito momentâneo não significava grande garantia; bastava que os quisessem expulsar, que alguém levantasse a voz por qualquer motivo, para que logo aproveitassem para armar um charivari.

- Olá! O senhor também aqui, príncipe? - disse Rogójin ainda se espantando mais ao deparar com Míchkin. - E sempre com as polainas, hein? - respirou fundo, esqueceu-se logo do príncipe e tornou a olhar para Nastássia Filíppovna, dirigindo-se para ela como atraído por um imã. Ela também estava olhando com inquieta curiosidade para aquela malta de invasores.
Finalmente Gánia recuperou a presença de espírito.

- Permitam que lhes pergunte que significa isto? - disse com voz embargada, encarando com rosto severo os recém-chegados e se dirigindo principalmente a Rogójin. - Isto aqui não é uma cocheira, senhores. Minha mãe e minha irmã moram aqui.

- Estamos vendo perfeitamente que sua mãe e sua irmã estão aqui - respondeu Rogójin, por entre os dentes.

Liébediev sentiu que era chegada a hora de “colaborar”.

- Sim, claramente se vê que sua mãe e sua irmã estão aqui!

E o homenzarrão dos punhos compreendeu que a situação se ia azedando e se pôs a engrolar qualquer coisa, ele também.

- Mas, palavra de honra! - explodiu Gánia, erguendo a voz, sem se moderar. - Primeiramente peço a todos que se dirijam para a sala de jantar e que depois, lá, educadamente me digam...

- Imaginem, ele não sabe!... - goelou Rogójin, rilhando os dentes, zangado, sem arredar o passo. - Diga-me uma coisa, você conhece Rogójin?

- Certamente que já o encontrei em algum lugar, mas...
- Em algum lugar, hein? Há três meses, perdi, para você, no jogo, duzentos rublos que eram de meu pai. Ele até morreu sem descobrir isso. Você me distraía e Kniff me furtava!... E não está me reconhecendo mais, hein?

Ptítsin assistiu a isso. Quer você saber que espécie de homem você é? Se eu agora lhe mostrar três rublos, aqui do meu bolso, você engatinhará até a ilha Vassílievski. para os ganhar... E não pense que vim apenas com estas botas! Não! Arranjei uma bolada de dinheiro, irmão, posso comprar você inteiro com toda a tua gente. Posso arrematar você; se eu quiser. arremato tudo! - Rogójin excitava-se cada vez mais e a sua bebedeira se ia exteriorizando. - Vê lá, Nastássia Filíppovna, não me enxotes! Dize-me só uma coisa: vais te casar com ele, ou não? Foi uma pergunta feita em desespero, como apelando para uma divindade, mas com a coragem de um homem condenado à morte e que, portanto, nada tem de perder. E esperava a resposta, com mortal angústia.
Com altivez e expressão desdenhosa, Nastássia Filíppovna o examinou de alto a baixo; depois olhou de esguelha para Nina Aleksándrovna e Vária; daí fitou Gánia, e disse, mudando de tom:

- Certamente que não. Mas que foi que lhe aconteceu? E que lhe deu na cabeça para fazer uma pergunta destas? - falou devagar. de modo grave, e, pelo menos aparentemente, com certa surpresa.

- Não? Não! - exclamou Rogójin quase louco de júbilo. -Então não vais... Mas como é que me disseram? Hã? Nastássia Filíppovna, contaram-me que estavas comprometida com ele! Como se fosse possível! Bem lhes disse eu que era impossível! Se eu quiser, compro-o por cem rublos. Se eu lhe desse mil, três mil rublos para desistir, ele fugiria no próprio dia do casamento, deixando a noiva para mim. É ou não é verdade, Gánia, seu canalha? Você agarraria os três mil rublos, não é mesmo? Aqui está o dinheiro! Aqui o tem! Eu trouxe a bolada para facilitar a sua assinatura em uma renúncia categórica. Eu disse que o compraria, e o comprarei!

- Saia daqui, seu bêbado! - gritou Gánia que, depois de lívido, ficou vermelho. A esta explosão se seguiu uma outra, geral, pois todo o bando estava à espera apenas do sinal para a briga. Mas nisto, com solicitude, sibilantemente, Liébediev disse qualquer coisa ao ouvido de Rogójin.

- Tens razão, funcionário - respondeu Rogójin -, tens razão. alma de bêbado! Aqui vai, Nastássia Filíppovna - berrou, fitando-a, como um sujeito em delírio que da extrema timidez passa à maior audácia - aqui vai o dinheiro. Dezoito mil rublos! (E atirou sobre a mesa, diante dela, um maço de notas embrulhadas em papel branco amarrado com barbante.) Aqui vai! E ainda arranjei mais. que está para chegar.

Não se aventurou a dizer o que queria. Mas, arcado para ele. Liébediev sussurrava com um feitio atônito:

- Não, não, não!... Adivinhava-se que estava horrorizado ante a grandeza da soma, incitando o outro a tentar a sorte com uma quantia menor. - Não, irmão, você está doido! Não sabe como tem de ser o comportamento aqui. Pensa que sou maluco como você? - mas, dando com os olhos chamejantes de Nastássia Filíppovna, Rogójin parou, sobressaltado e se dominou. - Ai, ai, ai! Já fiz embrulhada; pra que o fui ouvir, Liébediev! - exclamou com certo vexame.

Mas, inesperadamente, Nastássia Filíppovna deu uma risada, olhando para a cara atônita de Rogójín.

- Dezoito mil rublos para mim? Não passarás nunca de um mujique! - acrescentou com uma familiaridade insolente, levantando-se do sofá, como para se ir embora. Gánia assistira à cena com o coração soterrado.

-Então - gritou Rogójin - quarenta mil! Quarenta, e não dezoito! Ptítsin e Biskúp prometeram arranjar-me, até às sete horas, quarenta mil! Dinheiro certo, ali!

O escândalo agravava-se, mas Nastássia Filíppovna, já de pé, continuava a rir, prolongando a cena de propósito. Nina Aleksándrovna e Vária também se tinham levantado e esperavam, em silencioso pasmo, até ver onde aquilo iria parar. Os olhos de Vária faiscavam e o efeito de tudo isso em Nina Aleksándrovna era pavorosamente cruel; tremia e estava a ponto de desfalecer.

- Então, se é assim, cem. Dar-te-ei cem mil rublos, hoje. Ptítsin, empresta-me isso, já está valendo, está feito!
- Você está maluco! - balbuciou, sem se fazer esperar, Ptítsin que se encaminhou para ele e o segurou. - Você está bêbado! Olhe que chamam a polícia! Onde é que você pensa que está?

- Está bêbado e quer se mostrar! - disse Nastássia Filíppovna, zombando dele.

- Não é ostentação, não! Arranjarei o dinheiro antes de anoitecer! Ptítsin, seu agiota, empreste-me isso, vamos! Peça os juros que quiser! Arranje-me cem mil rublos para esta noite! Quero mostrar que não vacilo diante de nada. - a excitação de Rogójin não tinha limites.

Foi então que, profundamente agitado, Ardalión Aleksándrovitch gritou com voz ameaçadora:

- Qual é o sentido disto? Vamos, diga! - e investia sobre Rogójin. A subitaneidade da explosão do velho, até então em completo silêncio, foi muito cômica. Houve gargalhadas.

- Olá... Quem temos nós aqui! - riu Rogójin. - Venha cá. seu barbaças, vamos embebedá-lo!

- Isso é nauseante - proferiu Kólia, chorando de vergonha.

- Não há ninguém que expulse esta mulher desavergonhada daqui para fora? - exclamou Vária, tremendo de pejo.
        
E Nastássia Filíppovna respondeu com uma alegria onde havia desprezo:

- Chamam-me de mulher desavergonhada! A mim que vim, pressurosa, convidá-los a todos para a minha recepção desta noite! Eis como sua irmã me trata, Gavríl Ardaliónovitch!

No primeiro instante Gánia ficou aniquilado ante a explosão da irmã, mas quando viu que Nastássia Filíppovna ia embora. investiu desatinado para Vária e a agarrou pelo braço, com fúria.

- Veja o que você foi fazer! - encarava-a como se a quisesse fulminar ali mesmo. Estava tão fora de si que não sabia o que estava fazendo.

- Que foi que eu fiz? Ora essa! E para onde me quer arrastar? Será para pedir perdão a ela por ter insultado mamãe e ter vindo aqui desgraçar nossa família, criatura vil!? - Vária gritou de novo. com ar impávido, desafiando o irmão.

Ficaram assim, um encarando o outro.
Gánia mantinha-a presa pelo braço; ela experimentou livrar-se duas vezes, até que, de repente, perdendo toda a compostura, cuspiu na cara do irmão.

- Que moça! Bravos! - exclamou Nastássia Filíppovna.
                                                             
- Ptístin, dou-lhe os meus parabéns!

Gánia viu tudo dançando diante dos seus olhos. E. completamente esquecido de si, arremeteu contra a irmã e teria acertado no rosto dela se uma outra mão estranha não agarrasse a sua. O príncipe estava entre ele e Vária.

- Não faça isso! Pare! - gritou, insistentemente; e era como se a sua violenta emoção sacudisse tudo.

- Atravessar-se-á você sempre no meu caminho? - berrou-lhe Gánia.

Soltou o braço de Vária e, louco de raiva, recuando, deu uma bofetada em Míchkin, com a mão que tinha ficado livre.

- Ah! - gritou Kólia, juntando as mãos. - Meu Deus!

Exclamações foram ouvidas de todos os lados. O príncipe ficou sem cor. Olhou Gánia bem de frente, com olhos de estranhíssima censura. Quis proferir qualquer coisa, mas os lábios tremeram e ficaram contraídos em uma espécie de sorriso inconsistente. Por fim pôde dizer, brandamente:

- Bem, em mim pode; mas nela, não consentirei.

Não se podendo dominar mais, saiu de perto de Gánia, foi para um canto, com o rosto escondido para a parede; e pouco depois balbuciou com voz entrecortada:

- Oh! Como o senhor se deve envergonhar do que fez!

Gánia ficou, de fato, totalmente esmagado. Kólia correu para o príncipe, abraçou-o e o beijou. Seguiram-no Vária, Ptítsin, Nina Aleksándrovna e o próprio Rogójin, ficando todos, inclusive o general, aglomerados em volta do príncipe.

- Não se incomodem! Não se incomodem! - murmurava Míchkin, em todas as direções, ainda com o mesmo sorriso forçado.

- Ele se arrependerá - garantiu Rogójin. - Você não se envergonha, Gánia, de ter insultado um... cordeiro.., destes? (Não conseguiu achar outra palavra.) Príncipe querido, deixe-os, despreze-os e venha comigo. Hei de mostrar-lhe que amigo Rogójin pode vir a ser.

Nastássia Filíppovna também ficara estupefata com a ação de Gánia e a resposta do príncipe. A sua face, de hábito pálida e melancólica, que parecia até ali só se ter animado em um papel de comediante, estava agora indiscutivelmente tomada por um sentimento novo. Todavia persistiu em esconder isso, conservando uma expressão sarcástica.

- Com certeza já vi o seu rosto, não me lembro onde – falava agora, de modo sério, subitamente se recordando da sua primeira pergunta.

- Não estais envergonhada? Seguramente não sois o que pretendeis ser agora! Não é possível - exclamava o príncipe com uma censura profunda e sincera.

Nastássia Filíppovna ficou perplexa, mas sorriu, para encobrir qualquer coisa. Olhou para Gánia, um tanto confusa, e se retirou da sala de estar; mas antes de chegar à porta voltou, e, com passo rápido, se aproximou de Nina Aleksándrovna; tomou-lhe a mão erguendo-a até os lábios.

- Efetivamente não sou o que pareço ser. Ele tem razão -sussurrou, enrubescendo fortemente.

Voltou-se de todo, saiu tão depressa que ninguém percebeu para que foi que ela reentrara; tudo quanto se notou foi que dissera qualquer coisa, muito baixo, a Nina Aleksándrovna, e que pareceu lhe ter beijado a mão. Só Vária, além de ver, também ouviu e a acompanhou com o olhar, assombrada.
Até vê-la sair, Gánia refez-se e saiu para ver Nastássia Filíppovna retirar-se. Só a alcançou escada abaixo.

- Não me acompanhe. Até logo. Venha esta noite, está ouvindo? Sem falta.

Ele voltou abstraído, preocupado. Uma cruel incerteza pesava sobre o seu coração. E mais amarga do que até então. A figura do príncipe também ainda o obcecava... E estava tão absorto que nem percebeu o bando de Rogójin passar ao seu lado, já no corredor, preparando-se para descer. Discutiam entre si, estabanadamente.
Rogójin caminhava ao lado de Ptítsin, conversando sobre negócio urgente. Ainda assim ao passar por Gánia lhe gritou:

- Você perdeu a partida!

E enquanto o outro descia, Gánia o olhava, inquieto.



continua página 106...

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D. Quixote - Cervantes Vol 1 - 1ª Parte L3 Capitulo XVIII: Onde se contam as razões que passou Sancho Pança com seu senhor D. Quixote

D. Quixote de la Mancha



Miguel de Cervantes

Vol 1



O Engenhoso Fidalgo 
D. Quixote de la Mancha 

Miguel de Cervantes



PRIMEIRA PARTE

LIVRO TERCEIRO

CAPÍTULO XVIII


Onde se contam as razões que passou Sancho Pança com seu senhor D. Quixote com outras aventuras dignas de ser contadas.


Chegou Sancho murcho e desmaiado ao pé do amo; tanto, que nem podia fazer andar o burro. Quando D. Quixote assim o viu, disse-lhe:

— Agora, bom Sancho, é que eu acabo de crer que aquele castelo ou venda é encantado sem dúvida, porque aqueles que tão atrozmente se divertiram contigo, que poderiam ser senão fantasmas, e gente do outro mundo? E nisto me certifico, por ver que, estando pelo espigão do muro do quintal a presenciar os atos da tua triste tragédia, não pude, por mais que fiz, subir-me acima, nem sequer apear-me do Rocinante; decerto porque me tinham encantado; porque te juro, à fé de quem sou, que, se pudera subir ou apear-me, eu te houvera vingado de maneira que aqueles foles de vento, aqueles malandrinos, se ficassem lembrando da brincadeira para sempre, ainda que nisso soubera descumprir as leis da cavalaria, que, segundo já muitas vezes me ouviste, não consentem a cavaleiro pôr mão em quem o não seja, salvo sendo em defensa da sua própria vida e pessoa, em caso de urgente e grande necessidade.

— Também eu me vingava se pudesse — disse o outro — quer fosse armado cavaleiro, quer não; mas não pude, ainda que tenho para mim, que os que se divertiram à minha custa não eram fantasmas, nem homens encantados, como Vossa Mercê diz: eram homens de carne e osso como nós; e todos (segundo lhes ouvi enquanto me estavam volteando) tinham os seus nomes; um chamava-se Pedro Martins, outro Tenório Fernandes; e o vendeiro ouvi que se chamava João Palomeque, o surdo; e por isso, senhor meu, o Vossa Mercê não ter podido saltar o muro, nem apear-se do cavalo, por outra causa foi, que não por encantamentos. O que eu tiro a limpo de tudo isto é que estas aventuras, que andamos buscando, afinal de contas nos hão de meter em tantas desaventuras, que não saibamos qual é a nossa mão direita. O que seria melhor e mais acertado, segundo o meu fraco entender, seria tornarmo-nos para o nosso lugar, agora que é tempo das aceifas, e de cuidar da fazenda, deixando-nos de andar de seca em meca, e de Herodes para Pilatos, como dizem.

— Que pouco sabes, Sancho — respondeu D. Quixote — dos achaques da cavalaria! Cala e tem paciência, que lá virá dia em que vejas por teus olhos que honrosa coisa é andar neste exercício! Se não, dize-me: que maior contentamento pode haver neste mundo, ou que satisfação pode compararse à de vencer uma batalha, e triunfar do inimigo? Sem dúvida que nada chega a isso.

— Assim deve ser — respondeu Sancho — posto que eu por mim não sei; só sei que, depois que somos cavaleiros andantes, ou (por melhor dizer) depois que Vossa Mercê o é (que eu, à minha parte, não há por que me entre em tão honroso rol), nunca jamais temos vencido batalha alguma, salvo a do biscainho, e ainda dessa saiu Vossa Mercê com meia orelha, e meia celada de menos; de então para cá tudo tem sido bordoada e mais bordoada, murros e mais murros; e eu, ainda por cima de tudo, manteado, e por pessoas encantadas, de quem me não posso vingar para saber até onde chega o gosto de vencer inimigos, como Vossa Mercê diz.

— Essa é que é a minha pena, e a que tu deves também sentir, Sancho — respondeu D. Quixote; — porém daqui em diante eu procurarei haver às mãos alguma espada feita com tal mestria, que ao que a tiver consigo se não possa fazer nenhum gênero de encantamento. Até não era impossível que a ventura me deparasse a de Amadis, quando se chamava “O Cavaleiro da ardente espada”; foi a melhor que teve cavaleiro algum do mundo, porque, além de ter a virtude referida, cortava como uma navalha, e não havia armadura, por forte e encantada que fosse, que lhe resistisse.

— Eu sou tão venturoso — disse Sancho — que, ainda que isso fosse, e Vossa Mercê viesse a achar espada semelhante, só viria a servir e aproveitar aos armados cavaleiros, assim como o bálsamo; e aos escudeiros, que os papem os lobos.

— Não tenhas medo, Sancho — disse D. Quixote — melhor se haverá Deus contigo.

Nestes colóquios se estavam D. Quixote e o escudeiro, quando o fidalgo reparou que pelo caminho se adiantava para ali uma grande poeirada. Voltou-se então para Sancho, e disse-lhe:

— É este o dia, Sancho, em que se há de ver o bem que a minha sorte me tinha reservado; é o dia, repito, em que se há de mostrar mais que nunca o valor do meu braço, e em que hei de fazer obras que fiquem registradas no livro da fama por todos os vindouros séculos. Vês aquela poeirada que ali se ergue, Sancho? pois é levantada por um copiosíssimo exército de diversos e inumeráveis povos que por ali vêm marchando.

— Por essas contas — disse Sancho — dois devem eles ser, porque desta parte contrária também sobe outra poeirada semelhante.

Voltou-se para ali D. Quixote e viu que era verdade; e, alegrando-se sobremodo, assentou que eram, sem dúvida alguma, dois exércitos que vinham a travar-se e combater no meio daquela espaçosa planície, porque não se passava hora que não tivesse a fantasia cheia daquelas batalhas, encantamentos, sucessos, desatinos, amores e desafios, que nos livros de cavalaria se relatam. Quanto dizia, pensava, ou fazia, ia sempre bater em coisas dessas.
A poeirada, que havia visto, levantavam-na dois grandes rebanhos de ovelhas e carneiros que por aquele mesmo caminho vinham de diferentes partes; os quais, em razão do pó, se não deixaram perceber enquanto se não avizinharam. Com tamanho afinco afirmava D. Quixote que eram exércitos, que Sancho chegou a acreditar e a dizer:

— Pois senhor, que havemos então de fazer?

— Que havemos de fazer! — disse D. Quixote — havemos de favorecer e ajudar aos necessitados e desvalidos. Hás-de saber, Sancho, que este, que vem pela nossa frente, o capitaneia o grande Imperador Alifanfarrão, senhor da grande Taprobana; e estoutro, que marcha por trás das minhas costas, é o do seu inimigo El-Rei dos garamantes Pentapolim de arremangado braço, porque sempre entra nas batalhas com o braço direito nu.

— E por que se querem tão mal esses dois senhores? — perguntou Sancho.

— Querem-se mal — respondeu D. Quixote — porque este Alifanfarrão é um pagão furibundo, e está namorado da filha de Pentapolim, que é uma formosíssima, e ainda por cima muito engraçada senhora, e cristã. Seu pai não quer dá-la ao Rei pagão, sem ele primeiro renegar a lei do seu falso profeta Mafoma, e se converter à sua.

— Voto por estas barbas — disse Sancho — que faz muito bem o Pentapolim, e hei de ajudá-lo em quanto puder.

— Nisso farás o que deves, Sancho — disse o fidalgo — porque para entrar em batalhas semelhantes não se requer ter sido armado cavaleiro.

— Até aí bem percebo eu — respondeu Sancho; — mas onde poremos nós este asno, para termos a certeza de o acharmos depois da refrega? porque o entrar nela com semelhante cavalgadura, creio que ainda até agora se não viu.

— É certo — disse D. Quixote; — o que melhormente podes fazer dele é deixá-lo às suas aventuras, quer se perca, quer não; porque tantos hão de ser os cavalos com que havemos de ficar depois da vitória, que até o Rocinante corre seu risco de eu o trocar por outro. Mas está atento e repara, que te quero dar conta dos cavaleiros mais principais que vêm nestes dois exércitos; e para que melhor os notes, retiremo-nos para aquela alturinha que ali se levanta, donde se devem descobrir os exércitos ambos.

Fizeram-no assim, colocando-se numa lomba, donde se avistavam bem os dois rebanhos, que a D. Quixote se representavam exércitos. As nuvens de pó que levantavam lhe tinham turvada e cega a vista. Apesar de tudo, porém, vendo na imaginação o que lhe não mostravam os olhos, nem havia, em voz alta começou a dizer:

— Aquele cavaleiro que ali vês, de armas amarelas, que traz no escudo um leão coroado rendido aos pés de uma donzela, é o valoroso Laurcalco, senhor da ponte de prata. O outro das armas com flores de ouro, que traz no escudo três coroas de prata em campo azul, é o temido Micocolembo, Grã-Duque da Quirócia. O outro, de membros agigantados, que à sua mão direita vem, é o nunca amedrontado Brandabarbarrão de Boliche, senhor das três Arábias, que vem armado com aquela pele de serpente, e tem por escudo uma porta, que (segundo é fama) é uma das do templo derribado por Sansão, quando se vingou dos seus inimigos, matando-se. Mas vira agora os olhos para a outra parte, e verás diante, e na frente destoutro exército, ao sempre vencedor, e nunca jamais vencido Timonel de Carcajona, Príncipe de Nova Biscaia, que vem armado com armas esquarteladas de azul, verde, branco e amarelo, e traz no escudo um gato de ouro em campo aleonado, com uma letra que diz “Miau”, que é o princípio do nome da sua dama, que (segundo se diz) é a sem par Miaulina, filha do Duque Alfenhique do Algarve. O outro, que oprime e assoberba os lombos daquela possante égua, e traz as armas brancas de neve, é um cavaleiro novel, de nação francês, chamado Pierre Papin, senhor das baronias de Utrique. O outro, que bate com os ferrados talões os ilhais daquela pintada e ligeira zebra e traz o escudo veirado de azul, é o poderoso Duque de Nerbia, Espartafilardo do Bosque. Traz por empresa no escudo um espargal, com uma letra em castelhano, que diz assim: Rastrea mi suerte.

E assim foi D. Quixote por diante, nomeando muitos cavaleiros de um e de outro campo, como a ele se antolhavam, dando a todos as suas armas, cores, empresas e letras, que improvisava levado das imaginativas da sua loucura nunca vista; e sem se deter prosseguiu, dizendo:

— Este esquadrão formam-no gentes de diversas nações. Aqui estão os que bebem as doces águas do famoso Xanto; os montanheses que pisam os campos Massílicos; os que joeiram o finíssimo e miúdo ouro da feliz Arábia; os que gozam das famosas e frescas ribeiras do claro Termodonte; os que sangram por muitas e diversas vias o rico Pactolo; os númidas incertos no cumprir a palavra; os persas afamados em arcos e frechas; os partos e medas, que pelejam fugindo; os árabes de vivendas mudáveis; os citas tão cruéis como alvos; os etíopes de lábios furados; e outras infinitas nações, cujos rostos estou vendo e conhecendo, ainda que os nomes não me lembram. Nestoutro esquadrão vêm os que bebem as correntes cristalinas do olivífero Bétis; os que lavam o rosto nas águas do sempre rico e dourado Tejo; os que desfrutam as proveitosas águas do divino Xenil; os que pisam os Tartésios campos de pastos abundantes; os que folgam nos elísios prados do Xeres; os manchegos, ricos e coroados de louras espigas; os de ferro vestidos, restos antigos do sangue godo; os que se banham no Pisuerga, famoso pela mansidão da corrente; os que apascentam os seus gados nas extensas devesas do tortuoso Guadiana, celebrado pelo seu escondido curso; os que tremem com o frio dos selváticos Pireneus, e com as brancas neves do alteroso Apenino; finalmente, quantos se contêm na Europa toda.

Valha-me Deus! e quantas mais províncias não disse! quantas nações não nomeou, dando a cada uma, e com maravilhosa presteza, os atributos que lhe pertenciam, todo absorto e repassado do que tinha lido nos seus livros mentirosos!
Embasbacado estava Sancho Pança com tanto palavrório sem dizer nem pio; de quando em quando voltava a cabeça para ver se avistava os cavaleiros e gigantes que o amo nomeava; e como não descobria nem meio, lhe disse:

— Senhor meu, leve o diabo tudo isso, que não vejo por todo este descampado homem, nem gigante, nem cavaleiro nenhum dos que menciona. Eu ao menos não percebo tal. Talvez seja tudo encantamento como os avejões desta noite.

— Como! pois não ouves o rinchar dos cavalos? o toque dos clarins, e o trovejar dos tambores?

— O que eu ouço — respondeu Sancho — são muitos balidos de carneiros e ovelhas; mais nada.

E era verdade, porque os dois rebanhos já vinham muito perto.

— O medo que tens — disse D. Quixote — é que faz, Sancho, que nem vejas, nem ouças às direitas, porque um dos efeitos do medo é turvar os sentidos, e fazer que pareçam as coisas outras do que são. Se tão medroso és, retira-te para onde quiseres, e deixa-me só, que basto eu para dar a vitória à parcialidade a quem ajude.

E, falando assim, cravou as esporas em Rocinante; e, posta a lança em riste, baixou da lomba como um raio. Dava-lhe vozes Sancho, dizendo:

— Volte para trás, senhor D. Quixote, que voto a Deus que isso que vai investir são carneiros e ovelhas. Volte para trás. Mal haja o pai que me gerou. Forte loucura! Repare bem, que não há gigante, nem cavaleiro, nem gatos, nem escudos partidos nem inteiros, nem veiros azuis, nem endiabrados. Que faz? pecados meus!

Nem com tudo aquilo se refreava D. Quixote, antes em altas vozes ia clamando:

— Eia, cavaleiros, que seguis e militais debaixo das bandeiras do valoroso Imperador Pentapolim de arremangado braço, segui-me todos, vereis quão facilmente lhe dou vingança do seu inimigo Alifanfarrão de Taprobana.

Com estas palavras se entranhou pelo tropel das ovelhas, e começou a alancear nelas, tão denodado como se desse em verdadeiros inimigos mortais. Bradavam-lhe os pastores que tivesse mão; porém vendo que era tempo perdido, levaram de suas fundas, e começaram a cumprimentar-lhe as orelhas com pedradas como punhos. D. Quixote, sem fazer caso das pedras, campeava para todas as partes, dizendo:

— Onde estás, soberbo Alifanfarrão? vem para mim, que sou um só cavaleiro, e desejo a sós por sós provar as tuas forças, e tirar-te a vida em castigo das penas que dás ao valoroso Pentapolim Garamante.

Nisto acertou-lhe um seixo dos do rio, que lhe meteu duas costelas dentro.
Vendo-se tão maltratado, deu por sem dúvida que estava morto, ou muito gravemente ferido, e, lembrando-se do seu específico, puxou da almotolia, pô-la à boca, e principiou a engolir; mas, antes de ter esvaziado quanto lhe pareceu suficiente, veio outra amêndoa tão certeira contra a mão e a almotolia, que a amolgou toda, levando juntamente a D. Quixote três ou quatro dentes queixais, e pisando-lhe fortemente dois dedos.
Tal foi o primeiro golpe e o segundo, que ao pobre cavaleiro forçado foi deixar-se cair do cavalo.
Chegaram-se a ele os pastores, e, supondo terem-no morto, recolheram o gado a toda a pressa, levaram as reses mortas, que passavam de sete, e sem mais averiguações se lançaram a fugir.
Todo aquele tempo o levou Sancho na lomba, a observar as loucuras que seu amo fazia, e a arrancar as barbas, e a amaldiçoar a hora e o instante em que a desgraça lhe tinha feito conhecer. Vendo-o caído, e os pastores já desaparecidos, desceu da lomba, chegou-se a ele, e achou-o naquela lástima, mas ainda em si; e disse-lhe:

— Não lhe pregava eu, senhor D. Quixote, que se tornasse atrás, e que os que ia acometer não eram exércitos, senão carneiradas?

— Aí tens tu como aquele ladrão do sábio meu inimigo faz aparecer e desaparecer as coisas — disse D. Quixote; — podes crer, Sancho, que aos tais é fácil figurarem-nos tudo que lhes lembra; e este maligno que me persegue, invejoso da glória que viu me adviria desta batalha, transformou os esquadrões dos inimigos em fatos de ovelhas; quando não, por vida minha! faze uma coisa, Sancho, para te desenganares da verdade: monta no teu asno, segue-os de longe, e verás como, em se afastando um pouco daqui, tornam ao seu primeiro ser, deixam de ser carneiros e se fazem homens, tão feitos e perfeitos como eu vos pintei. Mas não vás por ora, que tenho precisão de que me ajudes; primeiro chega-te cá, e vê bem quantos queixais me faltam; parece-me que são todos.

Chegou-se-lhe tão perto o Sancho, que lhe metia quase os olhos pela boca, e foi a tempo que já o bálsamo tinha produzido o seu efeito no estômago de D. Quixote. Neste momento, pois, desfechou sobre as barbas do compassivo escudeiro, que nem tiro de escopeta, tudo que havia dentro.

— Nossa Senhora! — exclamou Sancho — que é isto? sem dúvida este pecante está ferido mortalmente: vomita sangue.

Reparando porém um pouco mais, conheceu pela cor, sabor e cheiro, que tal sangue não era, mas sim o bálsamo da almotolia, que ele lhe vira engolir. Tamanho foi o seu nojo, que, revolvendo-se-lhe o interior, vomitou as tripas mesmo por cima do amo; ficaram ambos como umas pérolas.
Correu Sancho ao seu burro, para tirar dos alforjes com que se limpar a si, e curar ao patrão; não os achou. Esteve a pique de perder o juízo; disse outra vez mal à sua vida, e resolveu de si para si deixar tal cargo, e tornar-se para a terra, ainda que perdesse a soldada já merecida e as esperanças da prometida ilha.
Levantou-se neste comenos D. Quixote, e com a mão esquerda na boca, para lhe não acabarem de sair os dentes, colheu com a direita as rédeas de Rocinante, o qual não tinha ainda arredado pé (tanta era a sua lealdade e boa condição), e foi-se para onde o escudeiro estava de peito sobre o asno, com a mão na face, como excessivamente pensativo.
Vendo-o assim, e tão triste, disse-lhe:

— Sabe, Sancho, que só quem faz mais que outrem é que é mais que outrem. Todas estas inclemências que nos acontecem sinais são de que breve se nos há de o tempo abonançar, e as coisas correr-nos melhormente, porque não é possível que nem o mal nem o bem, sejam perduráveis; por isso, tendo o mal aturado já tanto, já o bem nos deve estar chegando; pelo tanto, não tens por que anojar-te pelas desgraças que a mim me sucedem, porque não tens nelas quinhão.

— Não tenho quinhão? — soltou Sancho — então o que ontem mantearam não era o filho de meu pai? e os alforjes, que me faltam agora, com tudo o que eu tinha dentro deles, eram do vizinho; não?

— Perdeste os alforjes, Sancho? — disse D. Quixote.

— Não sei; não os acho — respondeu ele.

— Desse modo, não há que se coma hoje! — replicou D. Quixote.

— Não haveria decerto — tornou Sancho — se faltassem por estes prados as ervas que Vossa Mercê conhece, segundo diz, das quais se costumam valer para remédio em semelhantes faltas os tão mal-aventurados cavaleiros andantes como Vossa Mercê.

— Mesmo assim — respondeu D. Quixote — mais quisera eu agora um quarto de pão, e até uma bola de suborralho, com duas cabeças de sardinhas de espicha, que todas quantas ervas descreve Dioscórides, nem que fosse o ilustrado pelo doutor Laguna. Seja como for, monta, bom Sancho, no teu jumento, e vem atrás de mim, que Deus, que por tudo olha, não nos há de faltar, e mais andando nós tanto em serviço dele como andamos, ele, que nem falta aos mosquitos do ar, nem aos bichinhos da terra, nem aos filhos das rãs nos charcos, e é tão piedoso que faz nascer o sol sobre os bons e os maus, e chove sobre os injustos e os justos.

— Mais talhado estava Vossa Mercê — disse Sancho — para pregador, que para cavaleiro andante.

— De tudo sabiam e devem saber os cavaleiros andantes — disse D. Quixote — pois cavaleiro andante houve nos passados séculos, que se detinha a fazer um sermão ou prática no meio duma estrada real, como se fora graduado pela Universidade de Paris; donde se infere que nem a lança dana à pena, nem a pena à lança.

— Ora bem; seja assim como Vossa Mercê diz — respondeu Sancho — mas vamo-nos já daqui, e procuremos onde se há-de ficar esta noite. Permita Deus que seja em parte onde não haja mantas, nem manteadores, nem mouros encantados, que, se os houver, dou ao diabo a cartada.

— Pede-o tu a Deus, filho — disse D. Quixote — e vamos para onde tu quiseres, que desta vez quero deixar à tua escolha o albergar-nos. Mas chega cá a mão, e apalpa-me com o dedo; vê bem quantos queixais me faltam deste lado direito no queixo de cima; ali é que me dói.

Meteu Sancho os dedos, e, estando a apalpar, lhe disse:

— Quantos queixais costumava Vossa Mercê ter deste lado?

— Quatro — respondeu D. Quixote — afora a presa; todos inteiros e muito sãos.

— Olhe Vossa Mercê bem o que diz, senhor — respondeu Sancho.

— Digo quatro, se não eram cinco — respondeu D. Quixote — porque em toda a minha vida nunca me tiraram dente da boca, nem me caiu nenhum, nem me apodreceu.

— Pois nesta parte de baixo — tornou Sancho — não tem Vossa Mercê senão dois queixais e meio; e da parte de cima nem meio, nem nenhum; está tudo raso como a palma da mão,

— Desventurado de mim! — disse D. Quixote, ouvindo as tristes novas que o seu escudeiro lhe dava — antes quisera que me tivessem deitado abaixo um braço (uma vez que não fosse o da espada); porque te digo, Sancho, que boca sem queixais é como moinho sem mós; e muito mais se há de estimar um dente, que um diamante. Mas a tudo isto andamos sujeitos os que professamos a apertada ordem da cavalaria. Monta, amigo, e vai guiando, que eu te sigo na andadura que te parecer.

Assim o fez Sancho, e se encaminhou para onde entendeu poderia achar acolhida sem sair da estrada real, que por ali ia muito trilhada; e, caminhando devagarinho porque as dores dos queixos de D. Quixote não o deixavam sossegar nem apressar-se, quis Sancho i-lo entretendo e divertindo com dizer-lhe alguma coisa; e, entre as que lhe disse, foi o que se agora referirá no seguinte capítulo.



continua página 104...

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D. Quixote - Cervantes Vol 1 - 1ª Parte L1 Capitulo III
D. Quixote - Cervantes Vol 1 - 1ª Parte L1 Capitulo IV
D. Quixote - Cervantes Vol 1 - 1ª Parte L1 Capitulo V
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D. Quixote - Cervantes Vol 1 - 1ª Parte L1 Capitulo VIII
D. Quixote - Cervantes Vol 1 - 1ª Parte L2 Capitulo IX
D. Quixote - Cervantes Vol 1 - 1ª Parte L2 Capitulo X
D. Quixote - Cervantes Vol 1 - 1ª Parte L2 Capitulo XI
D. Quixote - Cervantes Vol 1 - 1ª Parte L2 Capitulo XII
D. Quixote - Cervantes Vol 1 - 1ª Parte L3 Capitulo XVIII
D. Quixote - Cervantes Vol 1 - 1ª Parte L3 Capitulo XIX
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D. QUIXOTE 
VOL. I 
Cervantes 
D. Quixote de La Mancha — Primeira Parte 
(1605) 
Miguel de Cervantes [Saavedra] 
(1547-1616)
Tradução: 
Francisco Lopes de Azevedo Velho de Fonseca Barbosa Pinheiro Pereira e Sá Coelho (1809- 1876) Conde de Azevedo 
Antônio Feliciano de Castilho (1800-1875) 
Visconde de Castilho


Edição 
eBooksBrasil www.ebooksbrasil.com 
Versão para eBook 
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Fonte Digital 
Digitalização da edição em papel de Clássicos Jackson, Vol. VIII Inclusões das partes faltantes confrontadas com a edição em espanhol da eBooksBrasil.com 
(1999, 2005)
Copyright 
Autor: 1605, 2005 Miguel de Cervantes 
Tradução Francisco Lopes de Azevedo Velho de Fonseca Barbosa Pinheiro Pereira e Sá Coelho 
António Feliciano de Castilho 
Capa: Honoré-Victorin Daumier (1808-1879) 
Retrato de Cervantes: Eduardo Balaca (1840-1914) 
Edição: 2005 eBooksBrasil.com