Machado de Assis
Conto
PONTO DE VISTA
Capítulo XII
D. RAQUEL A D. LUÍSA
Corte, 20 de janeiro
Faz um calor insuportável; mas como eu abri a janela que dá para o jardim, estou a ver o céu “todo recamado de estrelas” como dizem os poetas, e o espetáculo compensa o calor. Que noite, minha Luísa! Gosto imensamente destes grandes silêncios, porque então ouço-me a mim mesma, e vivo mais em cinco minutos de solidão do que em vinte horas de bulício.
A Mariquinhas Rocha esteve esta noite cá em casa com o marido. Ambos
parecem felizes, ela ainda mais do que ele, o que se me afigura completa
inversão das leis naturais.
Não se admira de me ouvir falar em “leis naturais”? A ideia não é minha,
é do próprio enteado, o Dr. Alberto. Conversamos os dois a respeito das
boas e santas qualidades de Mariquinhas, e eu dizia o que ela foi sempre
desde criança.
— Criança é ainda ela, observou ele sorrindo. Não posso chamar
madrasta a uma criatura que parece antes minha irmã mais moça.
— Na idade, sim, tornei eu; mas na circunspecção e na compostura é
positivamente mais velha que o senhor.
Ele sorriu, mas de um sorriso amarelo, e continuou:
— Meu pai é feliz; minha madrasta parece ainda mais feliz que meu pai.
Não é isto uma inversão das leis naturais?
Critique se lhe parece, a opinião do filho; mas aproveito a ocasião para
dizer que na sua última carta há duas linhas em que parece ter um resto
de suspeita. Mande-me dizer como quer que a convença de que ele é para
mim uma criatura igual a tantas outras?
Ande, confesse que é cruel comigo, e disponha-se a um sermão na
primeira ocasião em que estivermos juntas.
Sabe quem eu vi hoje? Dou-lhe um doce se adivinhar. O Garcia, aquele
Garcia que a nam... Não, não, paremos aqui.
RAQUEL
continua na página 98...
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Leia também:
Histórias da Meia-Noite: Ponto de vista (XII)
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Advertência
Vão aqui reunidas algumas narrativas, escritas ao correr da pena, sem outra pretensão que não seja a de ocupar alguma sobra do precioso tempo do leitor. Não digo com isto que o gênero seja menos digno da atenção dele, nem que deixe de exigir predicados de observação e de estilo. O que digo é que estas páginas, reunidas por um editor benévolo, são as mais desambiciosas do mundo.
Aproveito a ocasião que se me oferece para agradecer à crítica e ao público a generosidade com que receberam o meu primeiro romance, há tempos dado à luz. Trabalhos de gênero diverso me impediram até agora de concluir outro, que aparecerá a seu tempo.
Aproveito a ocasião que se me oferece para agradecer à crítica e ao público a generosidade com que receberam o meu primeiro romance, há tempos dado à luz. Trabalhos de gênero diverso me impediram até agora de concluir outro, que aparecerá a seu tempo.
10 de novembro de 1873.
M.A.
Texto-fonte:
Obra Completa, de Machado de Assis, vol. II,
Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1994.
Publicado originalmente por Editora Garnier, Rio de Janeiro, 1873
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