domingo, 6 de outubro de 2024

Histórias da Meia-Noite: Ponto de vista (XIII)

Ponto de vista

Machado de Assis

Conto

PONTO DE VISTA

 

Capítulo XIII
D. LUÍSA A D. RAQUEL

Juiz de Fora, 10 de fevereiro


     Não confesso nada; não fui cruel. Tive uma suspeita e preferi dizê-la a guardá-la. A amizade manda isto mesmo. Por que razão deixaríamos nós aquela franqueza e confiança do tempo do colégio?
     Acredito que realmente nada há, mas acredito também outra coisa. Estou a ver que é alguma figura grotesca, e que você foi antes ofendida na vaidade que no coração. Vá, confesse isso.
     Sabe você uma coisa? Está-me parecendo mais poeta do que era, mais romanesca, mais cheia de caraminholas. Bem sei que a idade explica muita coisa, mas há um limite, Raquel; não confunda o romance com a vida, ou viverá desgraçada...
     ...Um sermão! aí começava eu a fazer-lhe um sermão chocho e insulso, e sobretudo ineficaz. Venhamos a coisas mais de prosa. Meu marido quer entrar na política. Não se arrepia com esta palavra? Política e lua-de-mel, que duas coisas tão inimigas! Mas será o que Deus quiser. Lembranças dele e minhas a sua mamãe e a você. Até breve.

LUÍSA

continua na página 98...
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Advertência
Vão aqui reunidas algumas narrativas, escritas ao correr da pena, sem outra pretensão que não seja a de ocupar alguma sobra do precioso tempo do leitor. Não digo com isto que o gênero seja menos digno da atenção dele, nem que deixe de exigir predicados de observação e de estilo. O que digo é que estas páginas, reunidas por um editor benévolo, são as mais desambiciosas do mundo.
Aproveito a ocasião que se me oferece para agradecer à crítica e ao público a generosidade com que receberam o meu primeiro romance, há tempos dado à luz. Trabalhos de gênero diverso me impediram até agora de concluir outro, que aparecerá a seu tempo.
10 de novembro de 1873.
M.A.
Texto-fonte: 
Obra Completa, de Machado de Assis, vol. II, 
Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1994. 
Publicado originalmente por Editora Garnier, Rio de Janeiro, 1873 

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