Machado de Assis
Conto
PONTO DE VISTA
Capítulo XIV
D. RAQUEL A D. LUÍSA
Corte, 15 de fevereiro
Engana-se quando supõe que o Dr. Alberto é uma figura grotesca; já lhe disse que é rapaz elegante; e até aquele ar compassado e escultural que eu lhe achava, até isso parece ter desaparecido desde que tem intimidade conosco.
Não foi pois a minha vaidade que se ofendeu; não foi também o meu
coração. Senti que você não me acreditasse, nada mais.
Eu podia fazer-lhe agora uma dissertação a respeito do amor; mas retraio
a pena por me lembrar que iria ensinar o padre-nosso ao vigário.
Seu marido quer entrar na política? Vai você admirar-se da minha opinião
a este respeito, que não parece opinião de uma devaneadora, como você
me chama. Eu penso que a política para você tem uma onça de
inconvenientes e uma libra de vantagens.
A política há de ser uma rival, mas pesadas as coisas antes essa que
outra. Essa ao menos ocupa o espírito e a vida; mas deixa o coração livre
e puro. Demais, eu nem sempre sou a cismadora que tens na cabeça;
sinto um grãozinho de ambição comigo, a ambição de ser... ministra. Ri
se? Eu também me rio, o que prova que o meu espírito anda
despreocupado e livre, livre como a pena que me corre agora no papel,
produzindo uma letra que não sei se entenderá.
Adeus.
RAQUEL
continua na página 99...__________________
Leia também:
Histórias da Meia-Noite: Ponto de vista (XIV)
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Advertência
Vão aqui reunidas algumas narrativas, escritas ao correr da pena, sem outra pretensão que não seja a de ocupar alguma sobra do precioso tempo do leitor. Não digo com isto que o gênero seja menos digno da atenção dele, nem que deixe de exigir predicados de observação e de estilo. O que digo é que estas páginas, reunidas por um editor benévolo, são as mais desambiciosas do mundo.
Aproveito a ocasião que se me oferece para agradecer à crítica e ao público a generosidade com que receberam o meu primeiro romance, há tempos dado à luz. Trabalhos de gênero diverso me impediram até agora de concluir outro, que aparecerá a seu tempo.
Aproveito a ocasião que se me oferece para agradecer à crítica e ao público a generosidade com que receberam o meu primeiro romance, há tempos dado à luz. Trabalhos de gênero diverso me impediram até agora de concluir outro, que aparecerá a seu tempo.
10 de novembro de 1873.
M.A.
Texto-fonte:
Obra Completa, de Machado de Assis, vol. II,
Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1994.
Publicado originalmente por Editora Garnier, Rio de Janeiro, 1873
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