terça-feira, 29 de novembro de 2022

Erasmo Carlos: Velhos tempos

- Velhos tempos/ Jovens tardes de domingo


Erasmo Carlos 








Jovens tardes de domingo


Eu me lembro com saudade
O tempo que passou
O tempo passa tão depressa
Mas em mim deixou

Jovens tardes de domingo
Tantas alegrias
Velhos tempos belos dias

Canções usavam formas simples
Pra falar de amor
Carrões e gente numa festa
De sorriso e cor

Jovens tardes de domingo
Tantas alegrias
Velhos tempos belos dias

Hoje os meus domingos
São doces recordações
Daquelas tardes de guitarra
Sonhos e emoções

O que foi felicidade
Me mata agora de saudade
Velhos tempos belos dias

Composição: Roberto Carlos / Erasmo Carlos



Vídeo Oficial de "Jovens Tardes de Domingo" (1985) do Roberto Carlos com: 
Erasmo Carlos,
Wanderléa,
Wanderley Cardoso,  
Jerry Adriani, 
Ed Wilson,
Martinha,
Waldireni,
Rosemary, 
Cleide Alves, 
José Ricardo,
Ari Sanches, 
Ed Carlos, 
Ronaldo Luís, 
Marcio Augusto, 


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Honoré de Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (41)

Honoré de Balzac - A Comédia Humana / Vol 1

1
Estudos de Costumes 
- Cenas da Vida Privada



Memórias de duas jovens esposas


PRIMEIRA PARTE


XLVI – A SRA. DE MACUMER À CONDESSA DE L’ESTORADE


1829


Já deves saber pelos jornais, minha boa e terna Renata, a horrível desgraça que se abateu sobre mim; não te pude escrever uma única palavra, fiquei à sua cabeceira durante uns vinte dias e vinte noites, recebi seu último suspiro, fechei-lhe os olhos, velei-o piedosamente, com os padres, e rezei a oração dos mortos. Infligi-me o castigo dessas dores espantosas e, entretanto, ao ver-lhe nos lábios menos o sorriso que me dirigia ao morrer, não podia crer que o meu amor o tivesse matado! Enfim ele não mais existe, e eu vivo! A ti, que tão bem nos conheceste, que mais posso dizer? Tudo está naquelas duas expressões. Oh! Se alguém me pudesse dizer que ele poderia ser restituído à vida, eu daria o meu quinhão do céu para ouvir essa promessa, porque isso seria revê-lo!... E tê-lo novamente, quando mais não fosse durante dois segundos, isso seria respirar com o punhal fora do coração. Não virás, tu em breve, para dizer-me isso? Não me queres bastante para enganar-me?... Mas quê! Disseste-me de antemão que eu o feria profundamente... Será verdade? Não, não mereci o seu amor, tens razão, roubei-o. A felicidade, afoguei-a com os meus abraços insensatos! Oh! Ao escrever-te não estou mais louca, mas sinto que estou sozinha! Senhor, que mais haverá no vosso inferno além dessa palavra?

Quando o arrancaram, deitei-me no mesmo leito, esperando morrer, pois que entre nós não havia mais do que uma porta, e eu me julgava com bastante força para abri-la! Mas ai de mim! Eu era demasiado jovem e depois de uma convalescença de quarenta dias, durante os quais me alimentaram com a arte horrível de uma triste ciência, vi-me no campo, sentada a uma janela, entre as lindas flores que ele cultivava para mim, gozando essa magnífica vista sobre a qual por tantas vezes o seu olhar vagou e que ele tanto se felicitava por ter descoberto, uma vez que ela me agradava. Ah! Querida, a dor de mudar de lugar é inaudita quando o coração está morto. A terra úmida de meu jardim causa-me arrepios, a terra é como um grande túmulo, e tenho a impressão de caminhar sobre ele! Ao sair pela primeira vez tive medo e fiquei imóvel. É muito lúgubre ver as suas flores sem ele!

Minha mãe e meu pai estão na Espanha, conheces meus irmãos, e tu és obrigada a ficar no campo, mas tranquiliza-te, dois anjos voaram para mim. O duque e a duquesa de Sória, esses dois seres encantadores, acorreram para ver o irmão. As últimas noites viram nossas três dores calmas e silenciosas, em torno do leito onde morria um desses homens verdadeiramente nobres e verdadeiramente grandes, que são tão raros e que nos são superiores em tudo. A paciência de meu Felipe foi divina. A vista do irmão e de Maria por um momento lhe refrescou a alma e lhe apaziguou as dores.

— Querida — disse-me ele com a simplicidade que punha em tudo —, ia morrer sem me lembrar de transmitir a Fernando a baronia de Macumer; tenho de refazer meu testamento. Meu irmão me perdoará, pois ele sabe o que é amar!

Devo a vida aos cuidados de meu cunhado e de sua esposa; querem levar-me consigo para Espanha!

Ah! Renata, este desastre, só a ti posso dizer qual o teu alcance... O sentimento de meus erros me acabrunha, e é para mim um amargo consolo confiá-lo a ti, pobre Cassandra,[1] a quem não ouvi! Matei-o com minhas exigências, com minhas ciumeiras inoportunas, com minhas cruéis pirraças. Meu amor era tanto mais terrível por termos ambos uma fina e idêntica sensibilidade, além de que falávamos a mesma linguagem; ele compreendia admiravelmente tudo, e, muitas vezes, meus gracejos iam, sem que o suspeitasse, até o âmago de seu coração. Não podes imaginar até onde esse querido escravo levava a obediência: eu dizia-lhe, às vezes, que se fosse e me deixasse só; e ele saía sem discutir uma fantasia que talvez o fizesse sofrer. Até seu último suspiro ele me abençoou, repetindo-me que uma única manhã a sós comigo valia mais para ele do que uma vida longa com outra mulher amada, fosse ela Maria Heredia. Choro ao escrever-te estas palavras.

Agora, levanto-me ao meio-dia, deito-me às sete horas da noite, gasto um tempo ridículo nas minhas refeições, caminho devagar, fico durante uma hora diante de uma planta, olho as folhagens, ocupo-me, com moderação e gravidade, de insignificâncias, adoro a sombra, o silêncio, a noite; enfim, combato as horas e somo-as, com sombrio prazer, ao passado. A paz do meu parque é a única companhia que desejo; acho ali, em tudo, as sublimes imagens de minha felicidade extinta, invisíveis para todos, eloquentes e vivas para mim.

Minha cunhada, uma manhã, atirou-se em meus braços, quando lhes disse: — Vocês me são insuportáveis! Os espanhóis têm na alma algo de grande a mais do que nós!

Ah! Renata, se não morri, foi porque Deus sem dúvida proporciona o sentimento da desgraça às forças dos aflitos. Só nós mulheres sabemos avaliar a extensão das nossas perdas, quando perdemos um amor sem nenhuma hipocrisia, um amor de eleição, uma paixão durável, cujos prazeres satisfaziam a alma e a natureza ao mesmo tempo. Quando é que encontramos um homem com tantas qualidades que o possamos amar sem aviltamento? Encontrá-lo é a maior felicidade que nos possa tocar, e não é possível encontrá-lo duas vezes. Homens verdadeiramente fortes e grandes, nos quais a virtude se oculte sob a poesia, cuja alma possua uma sedução elevada, feitos para serem adorados, evitai o amor, pois causaríeis a desgraça da mulher e a vossa! Eis o que grito nas alamedas de meus bosques! E nenhum filho dele! Esse amor inexaurível que sempre me sorria, que somente flores e alegrias tinha para dar-me, esse amor foi estéril. Sou uma criatura maldita! O amor puro e violento, como é quando absoluto, será, pois, tão infecundo quanto a aversão, da mesma forma que o calor extremo do deserto e o extremo frio do polo impedem qualquer vegetação? Será preciso casar com um Luís de l’Estorade para ter uma família? Terá Deus ciúme do amor? Não sei o que digo.

Creio que és a única pessoa a quem posso suportar perto de mim; vem, pois só tu podes estar junto de uma Luísa de luto. Que dia horrível aquele em que pus o véu das viúvas! Quando me vi de preto, caí numa cadeira e chorei até a noite, e choro ainda ao te falar desse horrível momento. Adeus, escrever-te me cansa: enfadam-me as minhas ideias, não as quero mais exprimir. Traze teus filhos, podes amamentar o último aqui, não terei mais ciúme: ele não mais está, e terei grande prazer em ver meu afilhado, porque Felipe desejava um filho que se parecesse com o pequeno Armando. Enfim, vem repartir comigo as minhas dores!...




XLVII – RENATA A LUÍSA


1829


Querida, quando esta te chegar às mãos, eu não estarei longe, porque sigo poucos instantes depois de a ter mandado. Estaremos a sós. Luís é obrigado a ficar na Provença por causa das eleições que se vão realizar: ele quer ser reeleito, e já há convênios feitos contra ele pelos liberais.

Não venho consolar-te, trago-te apenas o meu coração para fazer companhia ao teu e para ajudar-te a viver. Venho ordenar-te que chores: é preciso que assim conquistes o direito de te reunires com ele um dia, porquanto ele apenas está a caminho do seio de Deus; não darás mais um único passo que não te conduza para ele. Cada dever cumprido romperá algum anel da cadeia que vos separa. Vamos, minha Luísa, tu te reerguerás nos meus braços e irás para ele pura, nobre, perdoada das tuas faltas involuntárias e seguida das obras que aqui fizeres em seu nome.

Rabisco-te estas linhas no meio dos meus preparativos, dos meus filhos e de Armando, que está a gritar “Madrinha! Madrinha! vamos vê-la”, a ponto de me deixar enciumada: é quase teu filho!




continua pág 348...

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[1] Cassandra: filha de Príamo e de Hécuba, que recebeu de Apolo o dom de vaticinar o futuro. Por não ter cumprido uma promessa feita ao deus, este castigou-a fazendo com que ninguém acreditasse nas suas profecias.

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Honoré de Balzac (Tours, 20 de maio de 1799 — Paris, 18 de agosto de 1850) foi um produtivo escritor francês, notável por suas agudas observações psicológicas. É considerado o fundador do Realismo na literatura moderna.[1][2] Sua magnum opus, A Comédia Humana, consiste de 95 romances, novelas e contos que procuram retratar todos os níveis da sociedade francesa da época, em particular a florescente burguesia após a queda de Napoleão Bonaparte em 1815.

Entre seus romances mais famosos destacam-se A Mulher de Trinta Anos (1831-32), Eugènie Grandet (1833), O Pai Goriot (1834), O Lírio do Vale (1835), As Ilusões Perdidas (1839), A Prima Bette (1846) e O Primo Pons (1847). Desde Le Dernier Chouan (1829), que depois se transformaria em Les Chouans (1829, na tradução brasileira A Bretanha), Balzac denunciou ou abordou os problemas do dinheiro, da usura, da hipocrisia familiar, da constituição dos verdadeiros poderes na França liberal burguesa e, ainda que o meio operário não apareça diretamente em suas obras, discorreu sobre fenômenos sociais a partir da pintura dos ambientes rurais, como em Os Camponeses, de 1844. Além de romances, escreveu também "estudos filosóficos" (como A Procura do Absoluto, 1834) e estudos analíticos (como a Fisiologia do Casamento, que causou escândalo ao ser publicado em 1829).

Balzac tinha uma enorme capacidade de trabalho, usada sobretudo para cobrir as dívidas que acumulava. De certo modo, suas despesas foram a razão pela qual, desde 1832 até sua morte, se dedicou incansavelmente à literatura. Sua extensa obra influenciou nomes como Proust, Zola, Dickens, Dostoyevsky, Flaubert, Henry James, Machado de Assis, Castelo Branco e Ítalo Calvino, e é constantemente adaptada para o cinema. Participante da vida mundana parisiense, teve vários relacionamentos, entre eles um célebre caso amoroso, desde 1832, com a polonesa Ewelina Hańska, com quem veio a se casar pouco antes de morrer.


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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)
(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)

Balzac, Honoré de, 1799-1850. 
          A comédia humana: estudos de costumes: cenas da vida privada / Honoré de Balzac;                            orientação, introduções e notas de Paulo Rónai; tradução de Vidal de Oliveira; 3. ed. – São                  Paulo: Globo, 2012. 

          (A comédia humana; v. 1) Título original: La comédie humaine ISBN 978-85-250-5333-1                    0.000 kb; ePUB 

1. Romance francês i. Rónai, Paulo. ii. Título. iii. Série. 

12-13086                                                                               cdd-843 

Índices para catálogo sistemático: 
1. Romances: Literatura francesa 843

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Primeira Parte: Memórias de duas jovens esposas...
A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (1)
A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (1a)
A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (2)
A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (3)
A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (4)
A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (5)
A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (6)
A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (7)
A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (8)
A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (9)
A Comédia Humana/Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (10)
A Comédia Humana/Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (11)
A Comédia Humana/Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (12)
A Comédia Humana/Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (12b)
A Comédia Humana/Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (13)
A Comédia Humana/Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (14)
A Comédia Humana/Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (15)
A Comédia Humana/Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (16)
A Comédia Humana/Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (17)
A Comédia Humana/Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (18)
A Comédia Humana/Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (19)
A Comédia Humana/Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (20)
A Comédia Humana/Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (21)
A Comédia Humana/Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (22)
A Comédia Humana/Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (23)
A Comédia Humana/Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (24)
A Comédia Humana/Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (41)
Segunda Parte: Memórias de duas jovens esposas...

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Erasmo Carlos: A Carta

- A Carta

Erasmo Carlos 









Escrevo-te
Estas mal traçadas linhas
Meu amor
Porque veio a saudade
Visitar meu coração
Espero que desculpes
Os meus erros por favor
Nas frases desta carta
Que é uma prova de afeição

Talvez tu não a leias
Mas quem sabe até darás
Resposta imediata
Me chamando de meu bem
Porém o que me importa
É confessar-te uma vez mais
Não sei amar na vida
Mais ninguém

Tanto tempo faz
Que li no teu olhar
A vida cor-de-rosa
Que eu sonhava
E guardo a impressão
De que já vi passar
Um ano sem te ver
Um ano sem te amar

Ao me apaixonar
Por ti, não reparei
Que tu tivestes
Só entusiasmo
E para terminar
Amor, assinarei
Do sempre, sempre teu

Tanto tempo faz
Que li no teu olhar
A vida cor-de-rosa
Que eu sonhava
E guardo a impressão
De que já vi passar
Um ano sem te ver
Um ano sem te amar

Ao me apaixonar
Por ti não reparei
Que tu tivestes
Só entusiasmo
E para terminar
Amor, assinarei
Do sempre, sempre teu

Escrevo-te
Estas mal traçadas linhas
Porque veio saudade
Visitar meu coração

Escrevo-te
Estas mal traçadas linhas
Porque veio saudade
Visitar meu coração

Escrevo-te
Estas mal traçadas linhas
Espero que desculpe
Os meu erros, por favor, oh, oh
Meu amor, meu amor!
Oh, oh


Composição: Benil Santos / Raúl Sampaio

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domingo, 27 de novembro de 2022

Úrsula - XVI - O comendador Fernando P.

Maria Firmina dos Reis


Úrsula



XVI - O comendador Fernando P. 



A mais de uma légua distante de Santa Cruz deixamos Fernando P. galopando ansioso, blasfemando e praguejando contra aquele que por ventura o contrariasse, e acompanhamos aos jovens desposados até o convento de ***, onde deixaremos por agora Úrsula meditando sobre os últimos acontecimentos de sua vida, que mais risonha e sedutora já se lhe figurava, e vamos ao encontro desse homem, animado por tão loucas esperanças, e tão disposto a amar, como a perseguir ao objeto da sua adoração.
O comendador, talvez mais por ostentação que por sentimentos religiosos, tinha em sua casa um capelão, que era voz pública ser-lhe muito dedicado em consequência de altos favores feitos pelos pais de Fernando à sua família. Fosse pelo que fosse, o capelão de Fernando P. dizia-se amigo deste, e isso causava a todos admiração; porque o comendador era um homem detestável e rancoroso, e o sacerdote parecia ser santo varão.
Por uma singular anomalia, estes dois homens pareciam querer-se, ou suportar-se reciprocamente, e essa união dava-lhes a reputação de íntimos amigos.
Fernando, homem estúpido e orgulhoso, não sabendo sequer exprimir seus próprios pensamentos, e não querendo confiar a alguém que ele julgava inferior a si pela posição, e pelo nascimento – única tábua de salvação, a que se pegava em seu naufragar contínuo de completa ignorância – tinha ido à cidade, suposto que ralado de mortais desconfianças, arranjar os papéis da mais absoluta necessidade, ou para fazer-se incontinente esposo de Úrsula, no caso de ainda encontrar viva a mãe desta menina, ou para, constituído por esta senhora tutor de sua filha, esta não poder escapar à sua vigilância, nem à sua paixão. Como ainda este erro seu era grosseiro!
Úrsula podia deixar de aceitá-lo por tutor, e, ainda aceitando-o, recusar-se energicamente a ser sua esposa. O comendador estava afeito a mandar, e por isso julgava que todos eram seus súditos ou seus escravos.
Já o sol não dominava as regiões da terra, quando Fernando P. apeou-se à porta de sua habitação para dar ligeiramente algumas ordens. Vinha esbaforido e preocupado por um pressentimento, que embalde tentava destruir.

— Talvez eu venha por demais tarde! – ao apear exclamou sem intenção de o fazer; porque era contra o seu orgulho, que não imaginava dificuldades.

Dois negros de cabeça baixa, e humilhados, que lhe vieram pegar as rédeas, ouviram em silêncio essa exclamação desesperada, e pela contração dos supercílios do comendador tremeram involuntariamente.
Depois subiu para a varanda, e logo uma multidão de escravos se lhe veio aproximando; mas ele, erguendo a voz imperiosa, perguntou:

– Onde está o padre F.?

— Saiu ainda há pouco, meu senhor – animou-se a responder o menos tímido entre os que ali estavam.


— Saiu? – interrogou Fernando, enrugando a testa. – Para onde foi?

— Ignoro-o, meu senhor – tornou o mesmo escravo com voz convulsa pelo medo. – E creio que o mesmo acontece aos mais parceiros. Tomou a sua mula azeitonada, e há pouco o vimos desaparecer pela estrada do cemitério.

Os negros acabavam apenas de tirar a sela ao cavalo fatigado, quando o comendador, descendo de um salto as escadas, foi-lhes golpeando com o chicotinho que trazia, e gritando:

— Eia, que fazem, animais! Outro cavalo imediatamente selado. E os meus dois pajens, que me sigam.

Os míseros escravos gemeram de ódio e de dor; mas nem a mais leve exprobração, nem um sinal de justa indignação se lhes pintou no rosto. Eram escravos, estavam sujeitos aos caprichos de seu bárbaro senhor.
E a ordem era tão peremptória, que um outro cavalo apareceu como por encanto arreado, e os dois pajens montados em suas cavalgaduras.
Fernando P. montou e impaciente cravou as esporas nos flancos do animal, e os negros o imitaram. A carreira era rápida, e nada os podia conter. Fernando pensava encontrar o padre, e não se enganou, que bem perto ia ele. Caminhava a passo lento e ia levar consolações àquela a quem o comendador ia pedir amor.

— Meu padre, – exclamou Fernando ao avistar o homem de paz, que o precedera na viagem – enfim vos encontro! Eia, dizei-me, o que há de novo?

O padre fixou-o com olhar que queria dizer:

— Resignai-vos!

— Minha irmã?! Minha pobre irmã?! – soluçou magoado aquele coração de ferro.

— Morreu, Filho! – disse o padre comovido – E Úrsula geme acurvada pela mais pungente e aflitiva dor.

Então duas lágrimas rolaram dos olhos de Fernando, que se esqueceu de si, imerso nesse sentimento, único que esclarecia a sua vida em todos os demais pontos tão negra. Abandonou as rédeas, e o seu cavalo seguia os passos tardos da mula do digno sacerdote.
E esse torpor doído durou muito, e ninguém ousava quebrar o silêncio que era completo.
Então a corrida de rápida tornou-se vagarosa e pesada, e a lua já passeava bem alta nos campos do céu, quando o comendador, ajudado por seus dois pajens, apeou-se à porta dessa casa silenciosa, cuja fachada melancólica demonstrava os grandes pesares de que o interior era testemunha atenta, posto que muda e impassível.
Enquanto o padre humildemente desmontava, os dois negros batiam à porta. O arruído enfim despertou a velha africana de seus pensamentos dolorosos, e fê-la vir pressurosa ao reclamo, persuadida de que eram os dois cavaleiros, e Úrsula, que regressavam.

— Susana! – bradou Fernando assim que a viu.

— O senhor comendador!... – murmurou a negra, recuando assustada.

Fernando entrou e dirigiu-se à sala, e depois de ter-se atirado sobre uma cadeira, e investigado com um olhar melancólico aqueles lugares, que lhe recordavam a única afeição sincera que havia tido, chamou Susana.
Esta, aflita e angustiada; com os braços cruzados sobre o peito, e a cabeça inclinada para o chão acudiu ao seu chamado.

— Onde está Úrsula? – perguntou com voz alterada.

Susana estremeceu involuntariamente. Úrsula tinha saído à tarde e ainda ela a esperava com ânsia. Achá-la-ia Tancredo? Fugiriam juntos? O que lhe teria acontecido? Apesar de seus receios respondeu com segurança:

— Saiu à tarde, meu senhor, e disse-me que ia orar ao cemitério.

— Úrsula saiu só, e foi até Santa Cruz sem a companhia de alguém? – interrogou o comendador com sinistra incredulidade.

— Só, meu senhor – tornou a negra.

— Mentes! – bradou com voz de trovão.

Levantou-se com ímpeto, e como um tigre que se arremessa à presa ia cair sobre a infeliz Susana, quando o sacerdote, até então testemunha muda dessa cena, lhe disse:

— Prudência, filho! Por que vos encolerizais contra essa mísera velha? Mandai primeiro que tudo a Santa Cruz, e talvez lá seja possível encontrá-la. Sua dor era tão profunda, que minhas consolações tornaram-se inúteis. Hoje ao amanhecer pediu-me que queria ficar só por algumas horas, e voltei a Santa Cruz, onde gastei algum tempo a esperar-vos; mas vendo que não chegáveis, e lembrando-me do penoso estado em que a tinha deixado, tomei a resolução de vir de novo trazer-lhe a palavra divina, único bálsamo para as chagas do coração. Este seu desaparecimento, confrontado com a desesperação em que estava, faz-me recear alguma desgraça.

Susana, erguendo as mãos à altura da cabeça, bradou:

— Meu Deus! – E caiu sem acordo.

Fernando P. não lhe ouviu esta exclamação de desespero; porque já havia montado, e com seus dois pajens corria afanoso e desesperado a estrada que conduz a Santa Cruz. Os cavalos dispararam fogosos e rápidos como o aquilão, e sumiram-se com velocidade incrível.
A noite era já adiantada, e o galo, que cantara na fazenda de Santa Cruz, e que ele ouvira ao longe, veio revelar-lhe que tinha soado a hora dos mistérios, a hora em que aquele que medita em meio dos palmares, ou sobre as ribas do mar, debaixo do nosso opulento e magnifico céu todo estrelado, enche o coração de maga poesia, e de um sentir delicioso, que vai como nuvem de incenso desfazer-se puro aos pés do trono do monarca do universo. A hora alta e silenciosa da noite encerra mistérios tão profundos, que só os compreende a alma que verga ao peso de uma dor íntima e incurável, ou o coração, que transborda de afetos, que a vida inteira não pode resfriar.
Para os demais, a hora da meia-noite não tem significação. O comendador Fernando não estava nesse caso – amava; e a sua paixão era ardente e arrebatada como o seu vulcânico coração. Entrou corajosamente no cemitério, onde com terror o acompanharam seus dois pajens horripilados e trêmulos.
Todavia mais de um remorso lhe devia povoar a alma de terror à vista desse lugar onde dormiam Paulo B., Luísa, e tantos outros, cujos dias ele tanto amargurara, e cuja morte talvez pesasse sobre sua consciência.
Mas Fernando P. não era homem que parecesse ter remorsos: talvez o fogo de seu amor sufocasse em sua alma todos os outros sentimentos, que por ventura aí existissem.
Nesta ocasião, a lua era perpendicular ao topo da cruz, e a noite derramava sobre ela seu choro algente e triste.
A cruz estava úmida e orvalhada, e o musgo, que por ela distendia os braços, ostentava o brilhante esplendor de sua verdura, e a gota cristalina, que se filtrara do céu, esmaltava-o com celeste encanto.
O silêncio era tétrico e melancólico, e uma só ave noturna o não interrompia. Parece que toda a natureza o observava estupefata.
E Fernando P. percorreu essa morada da morte anelante e duvidoso, e não encontrou Úrsula.

— Susana! Hás de pagar-me! – bradou fora de si. — Não zombarás de mim impunemente. Ao inferno descerás, negra maldita, e todo o meu rigor não bastará para a tua punição. Foi debalde que tentastes iludir-me! O coração bem mo dizia, que a não acharia aqui!...

Tancredo! Infame!... Seus nomes enlaçados no tronco do jatobá, em que a vi a vez primeira, traiu-me o estado do seu coração. Ela o ama, já o sabia; mas o seu amor não poderá resistir ao meu ódio. Juro, mulher, que hás de ser minha esposa, ou o inferno nos receberá a ambos!
Tancredo! Tu não hás de rir de um rival desprezado. Não.
Blasfemando horrivelmente, tinha chegado à porta de sua casa, desatinado e furioso.

— O feitor branco – gritou com voz medonha. – chamem-me o feitor branco.

O serão ainda não havia acabado: o débil bruxulear de uma luz esmorecida no meio dessa vasta casa de trabalho indicava que aí ainda todos velavam; porque as tarefas não estavam acabadas.
O feitor apareceu com prontidão. Era um homem de mediana estatura, tez pálida, e olhar melancólico. Ao entrar, fez uma respeitosa cortesia ao comendador, que a não respondeu, e disse:

— Às vossas ordens, senhor comendador.

— Quero imediatamente dois negros, que irão voando à casa que foi de Paulo B. – parou, e com as mãos pareceu afastar de diante dos olhos uma sombra desagradável; mas foi um momento, recuperou sua feroz energia, e continuou:

— Que me tragam sem detença Susana. Ouvis, senhor? Que a tragam de rastos. Que a atem à cauda de um fogoso cavalo, e que o fustiguem sem piedade, e...

— Senhor comendador, – observou o homem, que recebia as ordens – ela chegará morta.

— Morta?... Não, poupem-lhe um resto de vida, quero que fale, e demais reservo-lhe outro gênero de morte.

O homem mordeu os lábios de indignação e perguntou:

— Nada mais ordenais?

— Sim, – tornou ele – quero que dobre hoje o serão destes marotos. Ah! Esta cáfila de negros, só surrados, e...

— Mas, senhor comendador, – interrompeu o feitor com acento apesar seu repreensivo, e indignado – é já meia-noite, os desgraçados ainda trabalham por acabar o serão, como pois é possível dobrar-se-lhes a tarefa?

— Oh! Lá!... – bradou Fernando e sorriu-se com horrível sarcasmo. – Que tal? Quem manda nesta casa?

— Fartai-vos de atrocidades, já que sois um monstro, – retrucou fora de si o feitor, fixando-o com um olhar de desprezo, que ele suportou –, banhai- -vos no sangue dos vossos semelhantes, juntai crimes horrendos a crimes imperdoáveis; mas não conteis mais doravante comigo para instrumento dessas ações, que revoltam ainda a um coração viciado, e que só no vosso pode achar morada.

Desde já contai-me despedido do vosso serviço.

— Miserável! – rugiu Fernando sufocado pela cólera.

— Vou imediatamente avisar a velha Susana – disse consigo o feitor – e ainda será tempo de fugir. – Saiu correndo a pegar o seu cavalo, mas, à hora que tão generosamente se dirigia à casa de Luísa B., um sacerdote montado em uma mula acompanhava a preta Susana, conduzida por dois negros, e murmurava em voz inteligível estas palavras do salmo 138: “Para onde me irei de vosso espírito? E para onde fugirei de vossa face?”


Susana não vinha atada à cauda de um cavalo, caminhava com a fronte erguida, e com a tranquilidade do quem não teme; porque é justo.

— Foge, Susana! – bradou-lhe da orla da estrada uma voz forte: ela pareceu nada ouvir, e o padre continuou:

— “Se subira ao céu, vós lá estais; se descera aos infernos ali vos encontraria”.

Então a voz tornou-se a ouvir, e um homem apareceu. Era o ex-feitor; o padre e os negros o reconheceram.

— Foge, Susana!

— Fugir? Não, meu senhor. Não sabeis que sou inocente?

— Louca! – tornou ele – Toma o meu cavalo e foge. Que importa àquela fera a tua inocência? Acaso não conheces o comendador?

Susana replicou-lhe com vivo reconhecimento:

— O céu vos pague tão generoso empenho; mas os que estão inocentes não fogem.

E o sacerdote prosseguia:

— “Se tomasse as asas da alva, e habitasse no cabo do mar, até ali vossa mão me guiaria e vossa destra me sustentaria”.

Susana levantou os olhos para o céu, e quando os abaixou, disse:

— Ide, meu filho! O céu vos abençoe.

O ex-feitor deu então as rédeas ao seu cavalo; deixou passar aquela vítima resignada de tão implacável cólera, e tocado pela sublime brandura daquela velha africana, lamentou profundamente a sorte mesquinha e horrível que lhe preparara o comendador, que em sua insânia parecia despenhar-se irremissivelmente nos abismos do inferno.
Prosseguiam na sua marcha.
Na casa do trabalho, muito mais frouxa lobrigava-se ainda a escassa luz de um lampião: os negros tinham recebido novas tarefas, empenhavam-se por acabá-las. Desgraçados! Não eram eles que trabalhavam por acabá-las – era o novo feitor, que com azorrague em punho ao som dos estalos os despertava. E já nem uma lágrima lhes vinha aos olhos, nem um queixume aos lábios – eram mudos; estorciam-se com a dor da chibatada, abriam os olhos, moviam-se maquinalmente para continuar o serviço, e logo recaíam naquela penosa prostração, que revela a extrema fadiga de um corpo, que descai já para o túmulo, cansado de lutar em vão contra mil privações que o desgastaram e aniquilaram.
O dia não tardava muito a despontar, quando Susana e o sacerdote descobriram, pasmados, a cena espantosa da dupla tarefa na fazenda de Santa Cruz.

— Deus esteja convosco, filho, – disse brandamente o padre ao entrar.

Fernando P. passeava na varanda com um passo incerto e desigual.

— Mandei informar-me, meu padre, do caminho que seguiu a minha louca fugitiva, e em menos de dez minutos aguardo pela resposta. Os homens da minha guarda estão prontos, e partirão ao primeiro sinal; as nossas cavalgaduras esperam-nos no pátio.

— E para que todo esse afã?! – perguntou o sacerdote com estupefação.

— Para quê?! Ainda mo perguntais?! Essa menina, senhor, a necessidade tornou-a minha pupila; e antes que o fosse, meu coração a havia escolhido para esposa!

— Ela? Úrsula? A vossa sobrinha! A filha!...

— Basta – bradou imperiosamente o comendador. – Susana, venha Susana.

Fernando P. pensara que o padre lhe ia lembrar o seu crime, e impôs-lhe silêncio.
Ao reclamo, dois negros entraram conduzindo a velha, cujos cabelos alvejavam como o cume dos Andes e cujos olhos exprimiam sublime resignação.
Ao vê-la, o comendador rugiu como um tigre, os olhos injetaram-se-lhe de sangue, e as artérias entumecidas ameaçavam arrebentar: seu semblante tornou-se roxo de ódio, e a fisionomia era medonha, e horripilante.

— Para onde foi Úrsula? – interrogou com voz que horrorizava – Para onde foi Úrsula? Fala, ou prepara-te para morrer sob o azorrague.

— Não sei, meu senhor, – respondeu humildemente a velha – disse-me que vinha orar ao cemitério.

— Não sabes dela?! Queres arrostar comigo?... – e os olhos desferiram chamas de raiva, que gelavam de terror.

— Foste sua cúmplice, hás de pagar-mo.

— Em nome do céu! – exclamou a mísera, atormentada por tão sinistras ameaças: – que sei eu?

— Cala-te, atrevida, ou ao menos modifica o teu crime, revelando-me o nome do homem que ma roubou.

— Ah! Meu senhor... – tornou a mísera africana, – ela saiu só.

— Pois bem! Confessarás à força de tormentos o que é feito dela, e qual o nome do seu sedutor.

Julgas que o ignoro?
Tancredo! Rápido foi o teu regresso; mas hás de arrepender-te, assim como tu, velha louca e maldita!
Levem-na, – disse, acenando para os dois negros que a tinham conduzido – levem-na, e que ela confesse o seu crime.

— Filho – objetou o padre, – filho, em nome do que nos há de julgar não mandeis flagelar esta pobre velha; ela é inocente.

O comendador bramiu de cólera, e lançou-se sobre a pobre escrava.

— Confessa a tua cumplicidade, diz-me para onde foi ela, ou apronta-te para morrer.

Susana havia dito a Tancredo que Úrsula lhe falara de um perigo iminente, se ele Tancredo retardasse mais o seu regresso, e que esse perigo criava-o o comendador; lembrava-se de que o moço partira imediatamente para o lugar por ela indicado, e onde devia estar Úrsula, persuadiu-se mesmo algumas vezes de que a moça, para escapar às perseguições de seu tio, se houvesse submetido à proteção do mancebo, e fugido; mas tudo isso não era mais que suposição e quando mesmo ela o soubesse com certeza, estava longe de querer denunciá-la a um homem que tão funesto era para quantos o conheciam.
Pediu a Deus que lhe pusesse um selo nos lábios, e o valor do mártir no coração.

— Então... – tornou ele enfurecido – confessas, ou não?...

— Não sei, meu senhor! – replicou Susana.

— Não sabes quem seja o seu sedutor? Não o viste sair em sua companhia?...

— A menina saiu só, eu a quis acompanhar; porque ela estava louca de aflição; mas disse-me:

— Proíbo-te que venhas; deixa-me que vá rezar sobre a sepultura de minha mãe, e...

— Levem-na! – bradou o implacável comendador. – Mais tarde confessarás tudo.

— Meu filho, – de novo começou o padre – o sangue do inocente condena ao inferno aquele que o derrama: esta mulher não é cúmplice na fuga de vossa desposada.

Um negro entrou correndo, e disse-lhe:

— Meu senhor, acabo de saber que a senhora, acompanhada de um cavaleiro branco, e de um outro negro, tomou a estrada da cidade de ***.

Então um sorriso infernal lhe arregaçou o lábio superior, e seu rosto ficou hediondo.

— Levem-na! – tornou acenando para Susana – Miserável! Pretendeste iludir-me... saberei vingar-me. Encerrem-na na mais úmida prisão desta casa, ponha-se-lhe corrente aos pés e à cintura, e a comida seja-lhe permitida quanto baste para que eu a encontre viva.

Susana ouviu tudo isto com a cabeça baixa; depois ergueu-a, fitou aos céus, onde a aurora começava a pintar-se, como se intentasse dar à luz seu derradeiro adeus, e de novo volvendo para o chão, exclamou:

— Paciência!

— Não há tempo a perder – disse Fernando, e entrou no seu gabinete, onde deu ordens, que para logo se cumpriram. Dois homens, de hórridas fisionomias, foram introduzidos, e o que lhes disse o comendador, só Deus e eles o puderam ouvir.

Não se passou muito tempo, que não voltassem: eram ligeiros e vinham vestidos como talvez lhes tivesse ordenado o homem, a quem serviam.
Tinham excelentes cavalgaduras. Trajavam calções de couro, e sobre suas selas descansavam enormes capotes de peles de onça. Da cinta pendiam-lhes enormes facas pontiagudas, e a esses horríveis instrumentos, acompanhava um par de pistolas. Aos ombros levavam um medonho bacamarte.
O padre viu todo esse apresto execrando, e aguardava ansioso pelo seu hóspede.
Não esperou muito.

— Meu padre, o dever obriga-me a partir. Roubaram-me a filha de minha irmã; mancharam a honra da minha casa, assassinaram a minha ventura!...

— Meu padre, – continuou depois de alguma pausa – essa menina era minha desposada, jurei que havia de ser seu esposo; pelo céu ou pelo inferno, sê-lo-ei ainda. Sim, – prosseguiu espumando de ira – ei de ser seu esposo; porque não a tornarei a ver em quanto o sangue do seu raptor não tenha lavado, extinguido o ferrete da infâmia estampado em minha fronte.

— Jesus! Senhor meu Deus! – bradou o pobre padre. – Ainda é tempo de retroceder. Pelo céu, meu filho, não mancheis vossas mãos no sangue de vosso irmão! Filho, o assassino é maldito do Senhor; Caim o foi. Para o assassino não há na vida sossego, nem paz na morte. O sepulcro mesmo, quem sabe se lhe promete tranquilidade?

A vingança, filho, é um prazer amargo, e seu fruto, é o requeimar do remorso em toda a existência, e até o último extremo, até a sepultura!
Fernando P. escutou-o; mas em suas veias agitava-se o sangue, que lhe queimava o coração. Rangia os dentes, e os lábios lívidos e trêmulos exprimiam a impaciência e o furor, até que por último prorrompeu irado:

— Mentes, padre maldito! A vossa doutrina não a escutarei nunca. A vingança, desejo-a com ardor, afago-a. Não sabes que é a única esperança, que me resta? Amor! Ventura!... Tudo, tudo caiu no abismo... eles o quiseram... oh! Não os hei de poupar.

O inferno? Haverá pior de que o que trago no coração?! O inferno?! O inferno me restituirá Úrsula pura da nódoa do amor de outrem, porque será lavado no sangue do homem por quem desprezou-me.
Sabes acaso o que é ser desdenhado pela mulher que amamos? Sabes o que é ser iludido, aviltado por aquela a quem déramos a vida, a honra, a alma se no-la pedisse!?...

— Filho, – arriscou ainda o velho sacerdote – não desafieis a cólera do Senhor. O sangue de vosso irmão vos queimará a alma; e o amor de que vos servirá então? Julgais que vos poderá ele afagar quando ante vós se erguer mudo, e impassível o espectro ensanguentado de vossa vítima, clamando: – És meu assassino!!!...

Então embalde suplicareis o meigo auxílio do sono, que vossos olhos pasmados e fitos no medonho fantasma não se poderão cerrar.
Então ele erguerá a voz, e exclamará com horrífico acento, que vos resfriará os membros: – maldição do Senhor sobre aquele que assassinou o homem, que era seu irmão!

— Cala-te... cala-te, estúpido que és – rugiu o comendador.

– Que me importa a mim a vingança dos mortos! Tancredo, Úrsula, não se hão de rir do homem a quem ludibriaram.

— Tancredo? – objetou o padre

– Que quereis dizer desse mancebo?

— É o sedutor de Úrsula.

— Ele? – replicou o homem de paz – É impossível!

— Ele. – retrucou Fernando. – Amam-se, já o sabia; mas contava que o seu regresso seria alguma coisa mais demorado.

Sim, eu vi Úrsula, era uma tarde, um jatobá antigo como os séculos prestava-lhe doce sombra; no tronco dessa árvore gravava ela um nome, que me ocultou com o seu corpo; mais tarde, no dia imediato, todos os dias à mesma hora eu ia ao lugar indicado, ela jamais voltou a ele; mas seu nome e o nome de Tancredo entrelaçados aí estavam gravados para advertir-me que se amavam.
Oh! Maldita sejas tu, mulher infame, maldito o teu sedutor! De joelhos hás de pedir-me compaixão para esse que preferiste a mim; mas não hás de achá-la!

— Misericórdia, meu Deus! – bradou o padre erguendo as mãos ao céu.

— Silêncio! – exclamou Fernando ardendo em ira, e aproximando-se- -lhe, disse: – Sois meu prisioneiro. A justiça da terra não me estorvará a vingança, porque ninguém senão vós ousará denunciar-me.

— As...sas...si...no!! – estupefato disse o pobre sacerdote, e ficou estacado nesse lugar sem movimento, com os cabelos eriçados, os membros hirtos, e os olhos parados, como se um raio o houvesse fulminado.


continua pág 121...

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Maria Firmina dos Reis nasceu em São Luís, no Maranhão, no dia 11 de outubro de 1825. Filha bastarda de João Pedro Esteves e Leonor Felipe dos Reis. Foi uma escritora brasileira, considerada a primeira romancista brasileira.
Em 1847, aos 22 anos, ela foi aprovada em um concurso público para a Cadeira de Instrução Primária, sendo assim a primeira professora concursada de seu Estado. Maria demonstrou sua afinidade com a escrita ao publicar “Úrsula” em 1859, primeiro romance abolicionista, primeiro escrito por uma mulher negra brasileira.
O romance “Úrsula” consagrou Maria Firmina como escritora e também foi o primeiro romance da literatura afro-brasileira, entendida esta como produção de autoria afrodescendente. Em 1887, no auge da campanha abolicionista, a escritora publica o livro “A Escrava”, reforçando sua postura antiescravista.
Ao aposentar-se, em 1880, fundou uma escola mista e gratuita. Maria morre aos 92 anos, na cidade de Guimarães, no dia 11 de novembro de 1917.
Em 1975, Maria recebe uma homenagem de José Nascimento Morais Filho que publica a primeira biografia da escritora, Maria Firmina: fragmentos de uma vida.
A importância da obra de Firmina, primeira escritora negra de que se tem notícia em nossa literatura, se deve ao pioneirismo na denúncia da opressão a negros e mulheres no Brasil do século XIX. Antes do Navio negreiro de Castro Alves, declamado pela primeira vez em 1868, Firmina já descrevia em seu livro Úrsula, de 1859, a crueldade do tráfico de pessoas sequestradas na África e transportadas nos porões dos “tumbeiros”. Neste mesmo romance, a crítica da escritora abrange o retrato lamentável da condição feminina da época ao delinear personagens como o pai de Tancredo ou o comendador, tiranos não só de escravos, mas também de mulheres.
Maria Firmina foi uma voz profundamente legítima e dissonante que não encontrou acolhida e reconhecimento em seu tempo. Longe de fracassar, essa voz ressoa hoje cheia de significado, recriminando males que ainda assombram e permeiam nossa sociedade.


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Úrsula - XVI - O comendador Fernando P.
Úrsula - XVII - Túlio

Anton Chekhov - Tio Vania (Ato Quatro, cena 4)

 Tio Vania


Anton Chekhov






Tio Vania

(Diadia Vania)

Anton Pavlovich Chekhov

Tradução de E. Podgursky



Ato quatro

Quarto Ivan Petrovich : seu quarto e, ao mesmo tempo, seu escritório na fazenda. Ao lado da janela está uma grande mesa, coberta com livros de contabilidade e papéis de todos os tipos; uma mesa, armários e balanças. Outra mesinha - usada pela ASTROV - aparece cheia de instrumentos de desenho e pinturas. Ao lado dele, uma pasta, uma gaiola com uma tarambola e, pendurado na parede, um mapa da África - claro, absolutamente desnecessário para qualquer um dos moradores da casa. Há também um enorme sofá-cama forrado de borracha. À esquerda, uma porta leva às outras salas; à direita, outra se abre para o corredor. Ao lado disso, um polovik . É uma noite de outono. O silêncio reina.




Cena quatro



TELEGUIN entra na ponta dos pés e, sentado perto da porta, começa a afinar baixinho o violão.

VOINITZKII.
- (Para SONIA acariciando os cabelos dela com a mão.) Minha menina! ... Quanto eu sofro! ... Ah, se você soubesse o quanto eu sofro! ...

SONIA. 
-O que você pode fazer? ... Você tem que viver! (Pausa.) Viveremos, tio Vânia! ... Passaremos por uma longa, longa jornada ..., longas noites ... suportando pacientemente as provas que o destino nos manda! ... o resto, o mesmo agora como na velhice, sem saber descanso! ... Quando chegar a nossa hora, morreremos submissos, e lá, do outro lado da sepultura, diremos que sofremos, que choramos, que nós sofreram amarguras! ... Deus tenha piedade de nós, e então, tio ..., querido tio ..., teremos uma vida maravilhosa ... claro ..., tudo bem! ... Alegria vai venha até nós e, com um sorriso, olhando com emoção para os nossos infortúnios presentes ..., descansaremos! ... Tenho fé, tio! ... acredito apaixonadamente! Ardentemente!...(Com voz cansada, ajoelhando-se diante dele e apoiando a cabeça nas mãos.) Vamos descansar! ( TELEGUIN dedilha baixinho ao violão.) Vamos descansar! ... Vamos ouvir os anjos, vamos contemplar um céu cheio de diamantes e veremos como, debaixo dele, todos os males terrenos, todos os nossos sofrimentos, se afogam em uma misericórdia que encherá o Universo! ... e nossa vida será tranquila, terna, doce como uma carícia! ... Eu tenho fé! ... Eu tenho fé! ... (Enxugando as lágrimas.) Pobres ! ... Coitado! ... Coitado do tio Vânia! ... Você está chorando! (Em meio às lágrimas) A tua vida não conheceu alegria ... mas espera, tio Vânia, espera! ... Vamos descansar! (Abraçando-o) Vamos descansar!( Ouve- se o bater do guarda cavando. TELEGUIN dedilha o violão; MARÍA VASILIEVNA escreve algo na margem do artigo que está lendo; MARINA está tricotando.) Vamos descansar!


(A cortina cai lentamente.)

Конец


E você nunca pensou que tudo em sua vida poderia ter sido entre amor e ódio, prostração e ousadia, liberdade e conveniência, ignorância e ciência, realidade e ilusão, uso e amontoado de nadas, cultura e leiguice, juventude e velhice? Já pensou se sua vida foi desperdiçada ou se poderia ter sido? Já falhou em suas ambições? E você é um ser inventado ou se inventou?



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Anton Pavlovich Chekhov foi um contista russo, dramaturgo e médico. Foi um mestre do conto e é considerado um dos autores do gênero mais importantes na história da literatura  no realismo psicológico atual e naturalismo. 
Nascido : 29 de janeiro de 1860, Taganrog, Rússia
Morreu : 15 de julho de 1904, Badenweiler, Alemanha
Cônjuge : Olga Knipper ( 1901-1904)
Obras : The Cherry Orchard , The Seagull , The Three Sisters ,
Pais : Pavel Yegorovich Chekhov , Yevgeniya Chekhov


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e você nunca pensou que tudo em sua vida poderia ter sido entre amor e ódio, prostração e ousadia, liberdade e conveniência, ignorância e ciência, realidade e ilusão, uso e amontoado de nadas, cultura e leiguice, juventude e velhice? já pensou se sua vida foi desperdiçada ou se poderia ter sido? já falhou em suas ambições? e você é um ser inventado ou se inventou? ... se perguntou ou... a vida é chata e boba e nada vai adiantar mesmo, somos explorados, nunca estamos seguros, mentem para nós... quem mente? Ah! Entendi... - entendeu, mesmo?


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Biblioteca Virtual Miguel Cervantes


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Leia também:

Anton Chekhov - Tio Vania (Ato Um, cenas 1, 2 e 3)
Anton Chekhov - Tio Vania (Ato Um, cenas 4 e 5)
Anton Chekhov - Tio Vania (Ato Dois, cena 1)
Anton Chekhov - Tio Vania (Ato Dois, cena 2)Anton Chekhov - Tio Vania (Ato Três, cena 3)
Anton Chekhov - Tio Vania (Ato Três, cena 4)
Anton Chekhov - Tio Vania (Ato Quatro, cena 1)
Anton Chekhov - Tio Vania (Ato Quatro, cena 4)

Sarau... Mulheres: Causos (Eduardo Galeano)

Mulheres




Eduardo Galeano


016.


CAUSOS



Nos antigamentes, dom Verídico semeou casas e gentes em volta do botequim El Resorte, para que o botequim não se sentisse sozinho. Este causo aconteceu, dizem por aí, no povoado por ele nascido.
E dizem por aí que ali havia um tesouro, escondido na casa de um velhinho todo mequetrefe.

Uma vez por mês, o velhinho, que estava nas últimas, se levantava da cama e ia receber a pensão.

Aproveitando a ausência, alguns ladrões, vindos de Montevidéu, invadiram a casa.

Os ladrões buscaram e buscaram o tesouro em cada canto. A única coisa que encontraram foi um baú de madeira, coberto de trapos, num canto do porão. O tremendo cadeado que o defendia resistiu, invicto, ao ataque das gazuas.

E assim, levaram o baú. Quando finalmente conseguiram abri-lo, já longe dali, descobriram que o baú estava cheio de cartas. Eram as cartas de amor que o velhinho tinha recebido ao longo de sua longa vida.

Os ladrões iam queimar as cartas. Discutiram. Finalmente, decidiram devolvê-las. Uma por uma. Uma por semana.

Desde então, ao meio-dia de cada segunda-feira, o velhinho se sentava no alto da colina. E lá esperava que aparecesse o carteiro no caminho. Mal via o cavalo, gordo de alforjes, entre as árvores, o velhinho desandava a correr. O carteiro, que já sabia, trazia sua carta nas mãos.

E até São Pedro escutava as batidas daquele coração enlouquecido de alegria por receber palavras de mulher.

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Galeano, Eduardo, 1940-
Mulheres / Eduardo Galeano; tradução de Eric Nepomuceno.
1. Ficção uruguaia- Crônicas. I. Título. II. Série.


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Leia também: 

Sarau... Mulheres: Para inventar o mundo cada dia (Eduardo Galeano)
Sarau... Mulheres: Amares (Eduardo Galeano)
Sarau... Mulheres: Causos (Eduardo Galeano)
Sarau... Mulheres: A Estação (Eduardo Galeano)

pag 024...





Ella no olvida



¿Quién conoce y reconoce los atajos de la selva africana? 

¿Quién sabe evitar la peligrosa cercanía de los cazadores de marfiles y otras fieras enemigas? 

¿Quién reconoce las huellas propias y las ajenas? 

¿Quién guarda la memoria de todas y de todos? 

¿Quién emite esas señales que los humanos no sabemos escuchar ni descifrar? 

¿Esas señales que alarman o ayudan o amenazan o saludan a más de veinte kilómetros de distancia? 

Es ella, la elefanta mayor. La más vieja, la más sabia. La que camina a la cabeza de la manada.



pag 017...


histórias davóinha: becos sem saída (III) 25bs – é domingo

becos sem saída



(III) o descolocado
25bs – é domingo

baitasar



nunca sejamos induzidos a seguir uma direção contrária à lei maior e se a recusa de ir não funcionar é preciso não deixar a vida parar enquanto as rezas procuram curar as feridas mais arrojadas

Ó mãe, vós que sois a seiva viva aonde as sementes germinam, abençoe o nosso pão de cada dia, fruto da vossa terra generosa e faça com que ele nunca falte em nossas mesas. Abençoe os quatro cantos da terra com vosso santo e divino amor, e faça de nós eternos aprendizes, sementes vivas da vossa verdade e do vosso infinito conhecimento.

Salve, salve, querida mãe Obá!

Akirô Obà Yê

terminada a reza, olha na sua volta, a sua casa está em ordem, pega seus balangandãs com alegria, adora aquelas pratas pendentes na cintura, regalos do virgílio ajuntados entre ferro-velho e vidro quebrado

Chegaram!

maria memória se aborrece com a sua rotina aos domingos, as mesmas bocas para alimentar que não ajudam com as panelas nem com os pratos e canecas, muito menos, com o ferramental das facas, garfos e colheres – viu em algum lugar, ou alguém lhe contou, que na índia as pessoas não usam garfos nem facas ou colheres, apenas, as mãos, achou boa a ideia – que ficaram jogados na bacia de assento até acabar seu pequeno conjunto de garfo, faca e colher, O que fariam, se perguntava enquanto adivinhava se comeriam com as mãos nuas e cruas ou lavariam a louça da bacia, É quase certo que comeriam com as mãos como na tal Índia!

cansou das adivinhações até que entediada, abatida e silenciosa enfiava as mãos na água e sabão, Preciso de ajuda aqui, Mãinha, isso é coisa de mulherzinha, Quem disse isso, Ó Maria... deixa os meninos. O Lamparino precisa de algum descanso, Hummm..., Agora, à tarde, vai ter um jogo importante na praça. O futebol é o futuro..., Hummm..., tá bem, então o painho ajuda, Eu preciso ir com o miúdo, É agora o tal jogo, Daqui mais um pouquinho, Hummm...

os outros dias são iguais aos domingos, o mais provável é nunca haver ventos fortes o suficiente empurrando os três para os serviços de mulherzinha, nenhuma ajudação na lavação de louça ou na bacia da roupa suja, tampouco, no ajeitamento e asseio da casa, Já me dou por satisfeita se a roupa encardida não ficar jogada no chão, dá de ombros, já está acostumada, mesmo porque dar de ombros é o que se permite dar nestes dias de sangramento desregrado e pau a pique

a velhice é uma fumaça desaparecendo lentamente, a vida se dissipando e não existe o mundo da fumaça dissipada, O Virgílio não tem mais apetite ou sou eu? Sou eu que não sou mais saborosa? Fiquei enjoativa? Eu me pergunto por que eu tenho vontade algumas vezes mais que em outras, e o Virgílio não parece mais ter o gosto que quero comer. Acho que estou degenerando em fumaça. Não consigo evitar, tenho mais necessidade de amigos do que inimigos, todo escravizado é inimigo do seu dono... não quero ser dona de ninguém.

mas esse domingo é diferente, Ai de quem não ajudar! As bundas pretas de vocês vão ganhar uma boas chineladas. Ouviram? Então? Estamos entendidos, Sim, mãinha, Venham comigo, vamos examinar o pátio – uma terrinha atrás da casa, nada muito grande ou espaçoso, um pedaço de terra nivelado, em cima dessa terra vazia se pode inventar uma casinha para um dos miúdos –, ela fiscaliza o chão de terra com duas ou três touceiras de capim ruim, Vou arrancar isso!

Não mãinha, as vozes dos miúdos saíram juntas e assustadas

Por quê, não?

as duas sombras miúdas não se mexiam enquanto a resposta saia na ponta da língua, Porque é atrás do mato que a cavalaria se esconde da polícia.

Não tem cavalaria ou polícia que me impeça de arrancar esse mato! - pronto, está vingada da louçaria na pia

procura formigas, esgana todas com seus pés descalços, nenhum remorso, virgílio está largado num canto, saboreando seu fumo de corda, coisa pouca, Bichos teimosos, brotam do chão, esmaga uma, duas, três, acaba com a trilha, esgana tudo, esparrama as formigas, olha para cima, procura moscas, está pronta para agarrá-las com suas mãos, Quando chega o verão é essa nojeira toda de moscas e à noite mosquitos.

virgílio observa do seu refúgio, entre um gole de fumaça e uma baforada cuspida, faz provocação, Maria, quem com ferro fere não sabe quanto dói, São apenas formigas e moscas.

a mesa está pronta, a lona verde-oliva esticada sobre suas cabeças, um pano de prato está colocado delicadamente sobre laranjas, pães, farofa, couve, Faltaram os bolinhos de abará e as bananas fritas... ficam para a próxima feijoada.

a miúda arrotando a mamada, Ai! Não morde a máinha, os miúdos sentados nas beiradas das cadeiras, limpos e lustrados, arrumadinhos e muito bem recomendados, prontos para serem exibidos, Não saiam daqui, entenderam, Sim, mãinha!

volta à janela, espera o movimento de lá para cá, o beco tem ficado deserto por esses dias, na parede o quadro do santo padre segue pendurado, ajeita um pequeno desvio que acredita ter visto, uma discreta inclinação à direita

vai até o altar do seu orixá Obà, faz reverência de reza à sua deusa guerreira, "Salve nossa amada e querida mãe Obà, Senhora mãe da terra! Diante da vossa bondade e da vossa luz, nós vos reverenciamos, querida mãe.

Pedimos, senhora mãe, que nos acumule de conhecimentos e nos torne radiantes, diante da vossa presença, do vosso amor e da vossa misericórdia.

Vós que sois mãe terrena por natureza, ampare-nos, sustente-nos, guie-nos, conduza-nos e envolva-nos em todos os sentidos, carnais e espirituais.

Traga-nos, ó mãe, luz radiante onde houver a escuridão por falta de fé. Traga-nos, querida mãe, o entendimento das coisas visíveis, proteja-nos com vossa ajuda justa e verdadeira. Paralise, ó mãe divina, o que estiver desvirtuado em nosso caminho, transformando-o em conhecimento puro. Faça de nós, ó mãe, vossos eternos filhos e filhas encantadas do plano de Deus, purificando os possíveis desvios de nossa personalidade.

Querida mãe Obà, que vossa natureza vegetal, vossas flores, frutos e todo vosso néctar e mel sejam um remédio para nossas vidas, absorvendo as energias negativas e transformando-as em positivas. Libere vossas essências e radiações energizadoras, querida mãe, para a cura, cicatrização, limpeza, purificação e potencialização da nossa mente, dos nossos familiares, das nossas casas e lugares de trabalho, mantendo as vibrações virtuosas e elevadas. Estimule-nos, ó divina mãe, na busca do conhecimento interior da verdade e da fé. Afaste de nós toda ironia, vícios e pensamentos desvirtuados.

Livre-nos de falsas verdades religiosas e de darmos mau uso ao raciocínio e ao conhecimento. Ative, ó mãe, com seu gesto seguro, nossa religiosidade. paralise e perdoe os excessos por nós cometidos, aquiete-nos, mãe querida, sustente-nos, conduza-nos, leve-nos em vossos braços firmes e seguros, para que nunca sejamos induzidos a seguir uma direção contrária à lei maior.

Ò mãe, vós que sois o sangue vivo onde as sementes germinam, abençoe o nosso pão de cada dia, fruto da vossa terra generosa, faça com que ele nunca falte em nossas mesas. Abençoe os quatro cantos da terra com vosso santo e divino amor, e faça de nós eternos aprendizes, sementes vivas da vossa verdade e do vosso infinito conhecimento."

Salve, salve, querida mãe Obà!

Akirô Obà Yê

é domingo...

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sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Edgar Allan Poe - Contos: Leonor

Edgar Allan Poe - Contos



Leonor
Título original: Eleonora
Publicado em 1841



Sub conservatione formae especificae salva 
anima.
— Raimond Lully


Eu sou oriundo de uma raça caracterizada pelo vigor da fantasia e pelo ardor da paixão. Os homens chamaram-me doido; mas ainda não está resolvido o problema — se a loucura é ou não a suprema inteligência — se muito do que é glorioso — se tudo o que é profundo — não tem a sua origem numa doença do pensamento — em modalidades do espírito exaltadas à custa das faculdades gerais. Aqueles que sonham de dia sabem muitas coisas que escapam àqueles que somente de noite sonham. Nas suas vagas visões obtêm relances de eternidade, e, quando despertam, estremecem ao verem que estiveram mesmo à beira do grande segredo. Penetram, sem leme nem bússola, no vasto oceano da « luz inefável» ; e de novo, como os aventureiros do geógrafo núbio, aggressi sunt mare tenebrarum, quid in eo esset exploraturi.

Diremos, então, que estou doido. Concordo, pelo menos, em que há dois estados distintos da minha existência mental — o estado de uma razão lúcida, que não pode ser contestada, e pertencente à memória de acontecimentos que constituem a primeira época da minha vida — e um estado de sombra e dúvida, que abrange o presente e a recordação do que constitui a segunda grande era do meu ser. Por consequência, acreditai tudo o que eu disser do primeiro período da minha existência; e dai ao que eu vier a contar dos derradeiros tempos o crédito que se vos afigurar justo; ou ponde-o completamente em dúvida; ou, se não puderdes duvidar, fazei de Édipo e procurai decifrar o seu enigma.

Aquela que na minha mocidade eu amei, e de quem agora, serena e lucidamente, estou traçando estas recordações, era a filha única da única irmã de minha mãe havia muito falecida.

Minha prima chamava-se Leonor. Havíamos sempre vivido juntos, sob um sol tropical, no vale de Many -Coloured Grass. Jamais viandante algum aventurou seus passos por aquele vale; pois estendia-se por entre uma cadeia de montes gigantescos, que sobre ele debruçavam as suas escarpas, vedando o acesso dos raios solares aos seus mais aprazíveis recônditos. Nas suas proximidades atalho algum jamais fora trilhado, e, para chegarmos ao nosso ditoso lar, não precisávamos de afastar, com força, a folhagem de milhares de árvores florestais, nem de esmagar milhões de fragrantes flores. Assim vivíamos nós sozinhos, nada sabendo do mundo para além do vale — eu, minha prima e sua mãe.

Das obscuras regiões de além dos montes, no extremo superior dos nossos domínios, descia um estreito e profundo rio, que excedia em brilho e limpidez tudo menos os claros olhos de Leonor; e, serpeando furtivamente em intrincados meandros, embrenhava-se por fim através de uma sombria garganta, por entre montes ainda mais negros do que aqueles de que brotara. Denominávamo-lo o « Rio do Silêncio» , pois as suas águas pareciam ter a faculdade de tudo emudecer. Do seu leito nenhum murmúrio se erguia, e tão de mansinho ia desfiando o seu curso que os diáfanos seixinhos que esmaltavam o fundo e que nós tanto gostávamos de contemplar, permaneciam absolutamente imóveis, refulgindo eternamente no velho sítio onde um dia se quedaram.

A margem do rio e de muitos cintilantes riachos que, por tortuosos rodeios, a ele afluíam, bem como os espaços que das margens desciam até o leito de seixos do fundo das águas — todos estes lugares, não menos do que toda a superfície do vale, desde o rio até as montanhas que o circundavam, eram tapetados por uma relva verde, macia, espessa, curta, perfeitamente lisa e perfumada a baunilha, mas tão profusamente matizada com botões de ouro, margaridas, violetas e asfódelos, que a sua extraordinária beleza falava aos nossos corações, com eloquência e paixão, do amor e da glória de Deus.

E, aqui e além, em maciços que se diriam antes matas de sonhos, brotavam fantásticas árvores, cujos altos e esguios troncos se não erguiam a prumo, mas, torcendo-se, inclinavam-se para a luz que ao meio dia irrompia pelo centro do vale. A sua casca apresentava ao mesmo tempo o esplendor do marfim e da prata e era mais macia do que tudo menos as macias faces de Leonor; de sorte que, se não fora o verde brilhante das enormes folhas que das suas copas se alastravam em linhas compridas e trémulas, embaladas pelos zéfiros, poderia alguém imaginá-las gigantescas serpentes da Síria prestando homenagem ao seu Soberano — o Sol.

De mãos dadas, durante quinze anos, vagueei eu com Leonor por este vale, antes de o Amor penetrar em nossos corações. Era uma tarde, ao cerrar-se o terceiro lustro da sua vida e o quarto da minha: nós estávamos sentados, abraçados um no outro, debaixo das árvores-serpentes e contemplávamos as nossas imagens refletidas no espelho das águas do « Rio do Silêncio. Nem mais uma palavra pronunciámos durante o resto daquele doce dia, e na manhã seguinte ainda as nossas palavras eram trémulas e raras. Do fundo das águas havíamos tirado o deus Eros, e agora sentíamos que havíamos ateado dentro de nós as almas ardorosas dos nossos maiores. As paixões que durante séculos haviam caracterizado a nossa raça acudiam agora de tropel com as fantasias que os haviam igualmente distinguido e bafejavam venturas e bênçãos sobre o vale de Many -Coloured Grass. Tudo como por encanto mudou. Sobre as árvores onde jamais se conhecera uma flor desabrocharam agora estranhas flores em forma de estrela. Tornaram-se mais carregados os tons das alfombras de verdura; e quando, uma a uma, murcharam as brancas margaridas, surgiram, em seu lugar, dez a dez, os asfódelos da cor dos rubis. E a vida brotava nos nossos atalhos; pois o alto flamingo, até aqui nunca visto, com todas as alacres e variegadas aves, ostentava ante nós a sua plumagem escarlate. Peixes de ouro e de prata acorriam agora ao rio, de cujo seio se erguia, de mansinho, um murmúrio que, por fim, foi engrossando até se transformar numa suave melodia mais divina do que a da harpa de Éolo, mais doce do que tudo menos a voz de Leonor. E agora, também uma enorme nuvem, que por muito tempo dominara as regiões do Hesper, avançara num deslumbramento de carmesim e ouro e viera pairar serenamente sobre nós, descendo dia a dia até pousar sobre os cumes dos montes, transfigurando-os com o seu glorioso esplendor, e encerrando-nos, como que para todo o sempre, dentro de uma mágica prisão de magnificência e glória.

O encanto de Leonor era o de um Serafim; mas ela era uma rapariga ingénua e simples como a curta vida que vivera entre as flores. Nenhum artificio mascarava o amor que lhe estuava no coração, e ela examinava comigo os seus mais íntimos recessos, quando juntos passeávamos no vale de Many-Coloured Grass e conversávamos sobre as notáveis transformações que nele ultimamente se haviam operado.

Um dia, finalmente, tendo falado, banhada em pranto, da triste e derradeira transformação que a Humanidade deve sofrer, nunca mais deixou de discutir este doloroso assunto, intercalando-o em todas as nossas conversas, como nos cantos do bardo de Schiraz estão constantemente ocorrendo as mesmas imagens, a cada passo repetidas em cada impressionante variação de frase.

Ela tinha visto que o dedo da Morte se lhe cravara no seio — que, como o efémero, ela fora feita perfeita em encanto e beleza somente para morrer; mas para ela os terrores do túmulo apenas consistiam numa apreensão, que uma tarde, ao crepúsculo, ela me revelou passeando comigo pelas margens do « Rio do Silêncio» . O que a penalizava era pensar que, após havê-la sepultado no vale de Many -Coloured Grass, eu abandonaria para sempre aquelas ditosas paragens, transferindo o amor, que só dela tão apaixonadamente agora era para alguma rapariga do mundo exterior e banal. E, então, ao ouvir-lhe exprimir este pesar, atirei-me aos pés de Leonor e jurei-lhe que nunca me ligaria pelo casamento a filha alguma da Terra — que jamais eu, fosse de que maneira fosse, trairia a sua querida recordação ou a recordação do devotado afeto que tamanha ventura trouxera à minha vida. Invoquei o omnipotente Senhor do Universo como testemunha da pia solenidade do meu juramento. E a maldição que de Deus e dela impetrei, no caso de eu atraiçoar o meu juramento, envolvia uma pena cujo extraordinário horror me não permite referi-la aqui.

Os claros olhos de Leonor tornaram-se mais claros, quando eu assim exprimi o carinho que a prendia à minha vida; suspirou, como se do peito lhe arrancaram um peso mortal; tremeu e chorou amargamente; mas (que era ela senão uma criança?) aceitou o juramento, que lhe tornava mais macio o leito da morte. E disse-me, não muitos dias depois, finando-se tranquilamente, que, em vista do que eu fizera para alívio e consolo do seu espírito, velaria sempre por mim depois de morta, e, se tal lhe fosse permitido, voltaria visivelmente a visitar-me nas vigílias da noite; se, porém, isto ultrapassasse o que às almas no Paraíso é permitido, dar-me-ia, pelo menos, frequentes indicações da sua presença, suspirando sobre mim nos ventos da tarde ou enchendo o ar que eu respirasse com o perfume dos turíbulos dos anjos. E, com estas palavras nos lábios, exalou a sua inocente vida, pondo termo à primeira época da minha.

Até aqui é fiel o relato que fiz. Mas, quando transponho a barreira formada pela morte da minha amada e penetro na segunda era da minha existência, sinto uma sombra empolgar-me o cérebro e não confio na perfeita sanidade das minhas palavras. Mas prossigamos.

Os anos foram-se arrastando pesadamente e eu continuei habitando no vale de Many -Coloured Grass; — mas uma segunda transformação se operara em todas as coisas. As flores estreladas secaram nas árvores e não mais reapareceram. Apagaram-se os matizes do verde tapete de relva; e, um a um, murcharam os rubros asfódelos, e, em seu lugar, surgiram, dez a dez, escuras violetas contorcionadas e sempre carregadas de orvalho.

A Vida desapareceu dos nossos atalhos; o alto flamingo já não exibia ante nós a sua plumagem escarlate, mas tristemente fugiu do vale para os montes com todas as alacres aves multicores que em sua companhia haviam vindo. Os peixes de ouro e de prata nunca mais esmaltaram o nosso doce rio. A suave melodia que encantara mais do que a harpa de Éolo e fora mais divina do que tudo menos a voz de Leonor, foi-se a pouco e pouco extinguindo, sumindo-se em murmúrios cada vez mais débeis, até que, por fim, o rio voltou à solenidade do seu primitivo silêncio. E então ergueu-se de novo a enorme nuvem, e, abandonando os píncaros dos montes à sua antiga tristeza, recuou para as regiões do Hesper, e consigo levou todo o áureo esplendor e todas as radiosas magnificências que por alguns anos transfiguraram o vale de Many-Coloured Grass.

Todavia, as promessas de Leonor não ficaram no olvido; pois eu ouvia os sons do baloiçar dos turíbulos dos anjos; correntes de um sagrado perfume flutuavam permanentemente sobre o vale; nas horas ermas, quando o meu coração palpitava pesadamente, os ventos que me refrescavam a fronte vinham carregados de brandos suspiros; indistintos murmúrios enchiam muitas vezes o ar da noite; e uma vez — oh, mas só uma vez! eu fui despertado de um sono, que se me afigurava o sono da morte, pela pressão duns lábios espirituais sobre os meus.

Mas o vácuo dentro do meu coração recusava-se, ainda assim, a ser preenchido. Tinha saudades do amor que o enchera a transbordar. Por fim o vale fazia-me sofrer pelas recordações de Leonor, e abandonei-o então para sempre, trocando-o pelas vaidades e pelos turbulentos triunfos do mundo.


****


Encontrei-me dentro de uma estranha cidade, onde todas as coisas poderiam ter servido para me apagarem da lembrança os doces sonhos que por tanto tempo sonhara no vale de Many-Coloured Grass. O luxo e a pompa de uma corte majestosa, o doido clangor das armas e a radiosa beleza das mulheres desvairaram-me e embriagaram-me o cérebro. Até aqui, porém, ainda a minha alma permanecera fiel aos seus juramentos, e nas horas silentes da noite ainda até mim chegavam as revelações da presença de Leonor.

De súbito cessaram estas manifestações; o mundo escureceu de todo ante os meus olhos; e eu quedei-me espavorido ante o escaldante pensamento que me possuía — ante as terríveis tentações que me empolgavam; pois de muito longe, de uma terra distante e ignota, viera para a alegre corte do rei que eu servia, uma menina a cuja beleza todo o meu perjuro coração imediatamente se rendeu — a cujos pés me curvei sem uma luta, no mais ardente, no mais abjeto culto de amor.

Que era, na verdade, a minha paixão pela rapariguinha do vale comparada com o fervor e o delírio, o alucinado êxtase de adoração com que eu depunha toda a minha alma em pranto aos pés da etérea Hermengarda? — Oh, que deslumbrante era a angélica Hermengarda! e na minha alma para ninguém mais havia lugar. — Oh, que divina era a celestial Hermengarda! e quando eu sondava as profundezas dos seus olhos inolvidáveis, só neles pensava — só neles e nela!

Casei; não me arreceei da maldição que invocara; nem senti o amargor de haver infringido um juramento solene.

Mas uma vez, no silêncio da noite, chegaram até mim, através das minhas persianas, os brandos suspiros que havia muito eu já não ouvia; e, numa voz familiar e doce, percebi estas palavras que jamais esquecerei:

— Dorme em paz! — pois o Espírito do Amor reina e governa, e, acolhendo no teu apaixonado coração aquela que se chama Hermengarda, tu és absolvido, por motivos que só no céu te serão explicados, dos juramentos que fizeste a Leonor!»


continua na página 327...

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Edgar Allan Poe (nascido Edgar Poe; Boston, Massachusetts, Estados Unidos, 19 de Janeiro de 1809 — Baltimore, Maryland, Estados Unidos, 7 de Outubro de 1849) foi um autor, poeta, editor e crítico literário estadunidense, integrante do movimento romântico estadunidense. Conhecido por suas histórias que envolvem o mistério e o macabro, Poe foi um dos primeiros escritores americanos de contos e é geralmente considerado o inventor do gênero ficção policial, também recebendo crédito por sua contribuição ao emergente gênero de ficção científica. Ele foi o primeiro escritor americano conhecido por tentar ganhar a vida através da escrita por si só, resultando em uma vida e carreira financeiramente difíceis.
Ele nasceu como Edgar Poe, em Boston, Massachusetts; quando jovem, ficou órfão de mãe, que morreu pouco depois de seu pai abandonar a família. Poe foi acolhido por Francis Allan e o seu marido John Allan, de Richmond, Virginia, mas nunca foi formalmente adotado. Ele frequentou a Universidade da Virgínia por um semestre, passando a maior parte do tempo entre bebidas e mulheres. Nesse período, teve uma séria discussão com seu pai adotivo e fugiu de casa para se alistar nas forças armadas, onde serviu durante dois anos antes de ser dispensado. Depois de falhar como cadete em West Point, deixou a sua família adotiva. Sua carreira começou humildemente com a publicação de uma coleção anônima de poemas, Tamerlane and Other Poems (1827).
Poe mudou seu foco para a prosa e passou os próximos anos trabalhando para revistas e jornais, tornando-se conhecido por seu próprio estilo de crítica literária. Seu trabalho o obrigou a se mudar para diversas cidades, incluindo Baltimore, Filadélfia e Nova Iorque. Em Baltimore, casou-se com Virginia Clemm, sua prima de 13 anos de idade. Em 1845, Poe publicou seu poema The Raven, foi um sucesso instantâneo. Sua esposa morreu de tuberculose dois anos após a publicação. Ele começou a planejar a criação de seu próprio jornal, The Penn (posteriormente renomeado para The Stylus), porém, em 7 de outubro de 1849, aos 40 anos, morreu antes que pudesse ser produzido. A causa de sua morte é desconhecida e foi por diversas vezes atribuída ao álcool, congestão cerebral, cólera, drogas, doenças cardiovasculares, raiva, suicídio, tuberculose entre outros agentes.
Poe e suas obras influenciaram a literatura nos Estados Unidos e ao redor do mundo, bem como em campos especializados, tais como a cosmologia e a criptografia. Poe e seu trabalho aparecem ao longo da cultura popular na literatura, música, filmes e televisão. Várias de suas casas são dedicadas como museus atualmente.



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Edgar Allan Poe

CONTOS

Originalmente publicados entre 1831 e 1849


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