em busca do tempo perdido
volume III
O Caminho de Guermantes
Primeira Parte
continuando...
Bloch lhe cortou a palavra.
- Na verdade, - disse ele, respondendo ao que a Sra. de Villeparisis acabara de dizer a
respeito do protocolo que regulava as visitas reais -, eu não sabia absolutamente nada disso
(como se fosse estranho que o não soubesse).
- A propósito desse tipo de visitas, sabe da brincadeira estúpida que me fez na manhã de
ontem o meu sobrinho Basin? - perguntou a Sra. de Villeparisis ao arquivista. - Em vez de se
anunciar, mandou dizer-me que era a rainha da Suécia que desejava me ver.
- Ah, ele lhe mandou dizer isso sem mais nem menos? É boa! - exclamou Bloch,
rebentando numa gargalhada, enquanto o historiador sorria com majestosa timidez.
- Estava muito espantada, pois fazia poucos dias que regressara do campo; para ter um
pouco de sossego, recomendara que não dissessem a ninguém que me encontrava em Paris, e
me indagava como a rainha da Suécia já o soubera. - continuou a Sra. de Villeparisis, deixando os
convivas espantados de que uma visita da rainha da Suécia não fosse por si só nada de anormal
para a anfitriã.
Decerto que, se de manhã a Sra. de Villeparisis tinha compulsado com o arquivista a
documentação de suas Memórias, naquele momento ensaiava sem querer seu mecanismo e
sortilégio sobre um público mediano, representativo daquele em que se recrutariam os seus
leitores um dia. O salão da Sra. de Villeparisis podia diferenciar-se de um salão verdadeiramente
elegante, de que estariam ausentes muitas das burguesas que ela recebia e onde, em
compensação, se veriam algumas das damas brilhantes que a Sra. Leroi acabara por atrair, mas
essa nuança não era perceptível em suas Memórias, de onde desaparecem certas relações
medíocres que tivera a autora, pois não têm ocasião de serem citadas; e aí não fazem falta
visitantes inexistentes, porque, no espaço forçosamente restrito que as Memórias oferecem,
podem figurar poucas pessoas, e, se tais pessoas são personalidades principescas, históricas,
acha-se alcançada a impressão máxima de elegância que algumas Memórias podem fornecer ao
público. No entender da Sra. Leroi, o salão da Sra. de Villeparisis era um salão de terceira
categoria; e a Sra. de Villeparisis sofria com o julgamento da Sra. Leroi. Mas hoje quase ninguém
mais sabe quem era a Sra. Leroi, seu julgamento se desfez, e é o salão da Sra. de Villeparisis,
que a rainha da Suécia frequentava, e que fora frequentado pelo duque de Aumale, pelo duque de
Broglie, por Thiers, Montalembert, pelo Monsenhor Dupanloup, que será considerado como um
dos mais brilhantes do século XIX por essa posteridade que não mudou desde os tempos de
Homero e de Píndaro, e para quem a posição invejável é a de nascimento nobre, real ou quase
real, a amizade dos reis, dos líderes do povo, dos homens ilustres.
Ora, de tudo isto a Sra. de Villeparisis tinha um pouco em seu salão atual e nas
recordações, às vezes retocadas de leve, e com auxílio das quais ela o prolongava no passado.
Além disso, o Sr. de Norpois, que não era capaz de refazer uma posição sólida para a amiga, em
compensação lhe trazia estadistas estrangeiros ou franceses que precisavam dele e sabiam que a
única maneira eficaz de cortejá-lo era freqüentar a casa da Sra. de Villeparisis. Talvez a Sra. Leroi
também conhecesse essas eminentes personalidades européias. Mas, como mulher agradável e
que se esquiva ao tom das pretensiosas, ela evitava falar da questão do Oriente aos primeiros
ministros, tanto quanto da essência do amor aos romancistas e aos filósofos.
- O amor? - dissera uma vez em resposta a uma dama pretensiosa que a interrogara:
"- Que pensa do amor?"
- O amor? Faço-o muitas vezes, mas nunca falo sobre ele.
Quando tinha em sua casa celebridades literárias e políticas, contentava-se, como a
duquesa de Guermantes, em fazê-las jogar pôquer. Com freqüência, eles gostavam mais disto
que das grandes conversas sobre idéias gerais a que os constrangia a Sra. de Villeparisis. Porém,
tais conversações, talvez ridículas na sociedade, forneceram às "Lembranças" da Sra. de
Villeparisis alguns desses trechos excelentes, dessas dissertações políticas que ficam muito bem
nessas Memórias, como em tragédias à moda de Corneille. Aliás, apenas os salões das Sras. de
Villeparisis podem passar à posteridade porque as Sras. Leroi não sabem escrever e, mesmo que
soubessem, não teriam tempo para tal. E, se as disposições literárias das Sras. de Villeparisis são
o motivo do desdém das Sras. Leroi, por sua vez o desdém destas serve singularmente às
disposições literárias das Sras. de Villeparisis, proporcionando às damas literatas o lazer que a
carreira das letras exige. Deus, que quer que haja alguns livros bem escritos, inspira para tanto
esses desdéns ao coração das Sras. Leroi, pois sabe que, se elas convidassem as Sras. de
Villeparisis para jantar, estas largariam imediatamente os seus estúdios e mandariam atrelar as
carruagens para as oito horas.
Após um instante entrou, a passo lento e solene, uma velha dama de alta estatura e que,
sob o chapéu de palha de aba erguida, entremostrava um penteado monumental à maneira de
Maria Antonieta. Eu não sabia então que se tratava de uma das três mulheres que ainda era
possível observar na sociedade parisiense, e que, como a Sra. de Villeparisis, sendo de alto
berço, tinham sido reduzidas, por motivos que se perdiam na noite dos tempos, e que só poderia
ter-nos dito algum velho distinto daquela época, a receber apenas pessoas que ninguém mais
desejava acolher em outro lugar. Cada uma dessas damas tinha a sua "duquesa de Guermantes",
sua sobrinha brilhante que vinha lhe pagar suas obrigações, mas que não seria capaz de atrair à
sua casa a "duquesa de Guermantes" das outras duas. A Sra. de Villeparisis era muito ligada a
essas três damas, mas não gostava delas. Talvez a situação destas, tão análoga à sua, lhe
mostrasse uma imagem que não lhe era nada agradável. E depois, azedas, literatas, procurando,
pela quantidade de sainetes que faziam representar, dar a si mesmas a ilusão de um salão,
tinham entre si rivalidades que uma fortuna bastante arruinada no decurso de uma vida pouco
tranquila, forçando-as a buscar, a desfrutar do concurso gratuito de um artista, transformava numa
espécie de luta pela vida. Além do mais, a dama do penteado à Maria Antonieta, cada vez que via
a Sra. de Villeparisis, não podia evitar pensar que a duquesa de Guermantes não ia às suas
recepções das sextas. Seu consolo era que a essas sextas jamais faltava, como boa parenta, a
princesa de Poix, que era a sua Guermantes, e que nunca ia à casa da Sra. de Villeparisis,
embora a Sra. de Poix fosse amiga íntima da duquesa.
Todavia, do palácio do cais Malaquais aos salões da rua de Tournon, da rua de Ia Chaise
e do faubourg Saint-Honoré, um laço tão forte quanto detestado uma as três divindades decaídas,
das quais bem que eu gostaria de saber, folheando algum dicionário mitológico da sociedade, que
aventura galante, que petulância sacrílega, havia causado a punição. A mesma origem brilhante,
a mesma decadência atual, colaborava talvez muito em tal necessidade que as impelia, ao
mesmo tempo, a se odiarem e a se frequentarem. E, depois, cada uma encontrava nas outras um
modo cômodo de fazer finezas aos visitantes. Como é que estes não julgariam penetrar no
faubourg mais fechado quando eram apresentados a uma dama de grandes títulos, cuja irmã
havia desposado um duque de Sagan ou um príncipe de Ligne? Tanto que se falava infinitamente
mais na imprensa desses pretensos salões do que dos verdadeiros. Mesmo os sobrinhos grã
finos, a quem um camarada pedia que o apresentassem na sociedade (Saint-Loup em primeiro
lugar), diziam:
"Vou levá-lo à casa da minha tia Villeparisis ou da minha tia X; é um salão interessante."
Eles sabiam principalmente que isto lhes daria menos trabalho do que fazer penetrar os tais
amigos em casa das sobrinhas ou cunhadas elegantes dessas damas. Os homens muito idosos,
as moças que o tinham sabido por eles, disseram-me que essas velhas damas não eram
recebidas devido ao desregramento incrível de sua conduta, a qual, quando objetei que isso não
era um impedimento à elegância, me foi apresentada como tendo ultrapassado todas as
proporções conhecidas hoje. O mau procedimento daquelas damas solenes, que se mantinham
sentadas e bem direitas, adquiria, na boca dos que tocavam no assunto, algo que eu não podia
imaginar, proporcional à grandeza das épocas pré-históricas, à Idade do Mamute. Em resumo,
aquelas três Parcas de cabelos brancos, azuis ou cor-de-rosa tinham contribuído para a ruína de
um número incalculável de senhores. Eu pensava que os homens de hoje exagerassem os vícios
daqueles tempos fabulosos, como os gregos que formaram Ícaro, Teseu e Hércules com homens
pouco diferentes dos que muito tempo depois os divinizaram. Mas só se faz a soma dos vícios de
uma criatura quando esta já não está em condições de praticá-los, e quando, pela enormidade do
castigo social, que principia a cumprir-se e que é só o que se pode constatar, medimos,
imaginamos e exageramos a do crime cometido. Nessa galeria de figuras simbólicas que é a
"sociedade", as mulheres verdadeiramente levianas, as Messalinas completas, apresentam
sempre o aspecto solene de uma dama de pelo menos setenta anos, altaneira, que recebe a
quantos pode, mas não a quem deseja, a cuja casa não admitem ir as mulheres cuja conduta se
presta um pouco a falatórios, e à qual o Papa dá sempre a sua "rosa de ouro", e que às vezes
escreveu acerca da juventude de Lamartine uma obra premiada pela Academia Francesa.
- Bom dia, Alix. - disse a Sra. de Villeparisis à dama de penteado branco à Maria Antonieta,
a tal dama lançava um olhar penetrante sobre a assembleia a fim de ver se não havia naquele
salão algo que pudesse ser útil para o seu e que, em tal caso, deveria descobrir por si mesma,
pois a Sra. de Villeparisis, sem dúvida, seria bastante maligna para tentar ocultá-lo. Assim é que a
Sra. de Villeparisis teve grande cuidado de não apresentar Bloch à velha dama, com receio de
que ela fizesse representar o mesmo sainete da sua casa na mansão do cais Malaquais. Com
isso, aliás, estava pagando na mesma moeda. Pois a velha dama tivera na véspera em sua casa
a Sra. Ristori, que recitara versos, e fora cuidadosa no sentido de que a Sra. de Villeparisis, a
quem havia furtado a artista, ignorasse o fato até que estivesse consumado. Para que esta não
soubesse do caso pelos jornais, e não ficasse ofendida, vinha ela mesma contá-lo como se não se
sentisse culpada. A Sra. de Villeparisis, julgando que minha apresentação não oferecia os
mesmos inconvenientes da de Bloch, pôs-me em presença da Maria Antonieta do cais. Esta,
fazendo o mínimo de movimentos possível, buscando na velhice aquela linha de deusa de
Coysevox que tinha, há muitos anos, encantado a juventude elegante e que falsos homens de
letras celebravam agora em rimas forçadas tendo aliás adquirido o hábito do empertigamento
altaneiro e compensatório, comum a todas as pessoas a quem uma desgraça particular obriga
permanentemente a dar o primeiro passo -, inclinou levemente a cabeça com majestade glacial e,
virando-se para o outro lado, não se ocupou mais de mim, como se eu nunca tivesse existido. Sua
atitude de duplo objetivo parecia dizer à Sra. de Villeparisis:
"Veja que mais uma ou outra relação é algo a que não dou nenhuma importância, e que os
rapazinhos sob nenhum ponto de vista, sua linguaruda não me interessam."
Mas quando, um quarto de hora depois, ela se retirou, aproveitando-se da balbúrdia,
segredou-me ao ouvido que comparecesse na sexta-feira seguinte ao seu camarote, onde estaria
com uma das três, cujo nome fulgurante aliás ela mesma nascera Choiseul me causou um efeito
prodigioso.
- Senhor, creio que deseja escrever algo sobre a Sra. duquesa de Montmorency. - disse a
Sra. de Villeparisis ao historiador da Fronda, com esse ar rabugento de que, sem querer, sua
grande amabilidade se franzia devido às rugas de aborrecimento, ao despeito fisiológico da
velhice, bem como pela afetação de imitar o tom quase camponês da antiga aristocracia. - Vou lhe
mostrar o seu retrato, o original da cópia que está no Louvre.
Ela se ergueu, pousando os pincéis perto de suas flores, e o pequeno avental, que então
apareceu à sua cintura e que ela usava para não se sujar com as cores, aumentava ainda mais a
impressão quase de uma camponesa que lhe davam o boné e as grossas lentes dos óculos, e
contrastava com o luxo de seus empregados, do mordomo que trouxera o chá e os doces, do
lacaio de libré a quem tocou a campainha, chamando-o para que iluminasse o retrato da duquesa
de Montmorency, abadessa de um dos mais célebres cabidos do Oriente. Todos tinham se
levantado.
- O engraçado, - disse ela - é que nesses cabidos em que nossas tias-avós eram
frequentemente abadessas, as filhas do rei da França não teriam sido admitidas. Eram cabidos
extremamente fechados.
- Não admitidas as filhas do rei; e por quê? - indagou Bloch, estupefato.
- Mas é porque a Casa da França já não possuía bastantes quartéis de nobreza, desde
que fez casamentos desiguais.
O espanto de Bloch ia aumentando.
- Casamentos desiguais na Casa da França? Como assim?
- Aliando-se aos Médicis, ora. - respondeu a Sra. de Villeparisis no tom mais natural. - O
retrato é belo, não? E num estado perfeito de conservação. - acrescentou.
- Minha querida amiga. - disse a dama penteada à Maria Antonieta -, deve lembrar-se de
que, quando lhe trouxe Liszt, ele lhe disse que este é que era a cópia.
- Eu me inclinarei diante de uma opinião de Liszt sobre música, mas não sobre pintura!
Além do mais, ele já estava caducando e eu não me lembro de que tenha dito isto alguma vez.
Mas não foi você quem me trouxe Liszt. Já tinha jantado umas vinte vezes com ele na casa da
princesa de Sayn-Wittgenstein.
O golpe de Alix falhara; ela calou-se, permanecendo de pé e imóvel. Corri camadas de pó
emplastando-lhe o rosto, este parecia um rosto de pedra. E, como o perfil era nobre, ela se
assemelhava, sobre o pedestal triangular e musgoso oculto pelo mantelete, à deusa estragada de
um parque.
- Ah, eis ainda um outro belo retrato. - disse o historiador.
A porta se abriu e a duquesa de Guermantes entrou.
- Alô, bom-dia. - disse-lhe a Sra. de Villeparisis sem mover a cabeça, tirando de um bolso
do avental uma mão que estendeu à recém-chegada; e logo deixando de se ocupar dela para se
dirigir ao historiador. - É o retrato da duquesa de La Rochefoucauld...
Um jovem criado de ar arrogante e rosto encantador (mas cortado tão rente para ficar
perfeito que seu nariz estava um tanto vermelho e a pele ligeiramente inflamada, como se
conservassem traços da recente e escultural incisão) entrou trazendo um cartão numa salva.
- É aquele senhor que já veio várias vezes para ver a Sra. marquesa.
- Disse-lhe que eu recebia?
- Ele ouviu as conversas.
- Pois bem, faça-o entrar. É um senhor que me apresentaram. - disse a Sra. de Villeparisis.
- Disse-me que muito desejava ser recebido aqui. Nunca o autorizei a vir. Mas enfim, são já cinco
vezes que ele se incomoda, não convém constranger as pessoas. Senhor. - disse-me ela e o
senhor acrescentou, designando o historiador da Fronda -, apresento-lhes a minha sobrinha, a
duquesa de Guermantes.
O historiador inclinou-se profundamente, bem como eu, e, julgando que esse cumprimento
devia ser seguido por uma reflexão cordial, seus olhos se animaram e ele se preparava para abrir
a boca, porém gelou-o o aspecto da Sra. de Guermantes, que aproveitara a independência de seu
torso para lançá-lo adiante com uma polidez exagerada e retraí-lo com justeza, sem que sua
fisionomia e seu olhar parecessem ter notado que havia alguém diante deles; depois de ter
soltado um leve suspiro, limitou-se a manifestar a nulidade da impressão que lhe produziam a
vista do historiador e a minha, executando certos movimentos das narinas com uma precisão que
atestava a inércia absoluta de sua atenção ociosa.
Entrou o visitante inoportuno, encaminhando-se diretamente para a Sra. de Villeparisis
com ar ingênuo e fervoroso; era Legrandin.
- Fico-lhe muito grato por me receber, senhora. - disse ele, sublinhando a palavra muito; - é
um prazer de qualidade totalmente rara e sutil que dá a um velho solitário, asseguro-lhe que sua
repercussão...
Parou de repente, ao me ver.
- Eu estava mostrando a este senhor o belo retrato da duquesa de La Rochefoucauld,
esposa do autor das Máximas; veio-me de família.
Quanto à Sra. de Guermantes, cumprimentou Alix desculpando-se por não ter podido ir
visitá-la naquele ano como nos anteriores.
- Tive notícias suas por meio de Madeleine. - acrescentou.
- Ela almoçou comigo esta manhã. - disse a marquesa do cais Malaquais, com a satisfação
de pensar que a Sra. de Villeparisis jamais poderia dizer outro tanto.
Nesse meio tempo, eu conversava com Bloch e, receando, pelo que me tinham dito acerca
da mudança do pai a seu respeito, que invejasse a minha vida, disse-lhe que a sua devia ser mais
feliz. Tais palavras eram de minha parte um simples efeito da amabilidade. Mas elas convencem
facilmente de sua boa sorte aqueles que têm muito amor-próprio, ou lhes dão o desejo de
convencer os outros disso.
- Sim, de fato levo uma vida deliciosa. - disse-me Bloch com ar de beatitude. - Tenho três
grandes amigos, nem desejaria um outro a mais, uma amante adorável, sou infinitamente feliz.
Raro é o mortal a quem o pai Zeus concede tantas venturas.
Acho que, principalmente, procurava elogiar a si próprio e fazer-me sentir inveja. Talvez
também houvesse algum desejo de originalidade em seu otimismo. Ficou evidente que não queria
responder as mesmas banalidades de todos:
"Oh, não foi nada, etc." quando, à minha pergunta "Esteve bonita?", a propósito de uma
matinê dançante dada em sua casa, e à qual eu não pudera comparecer, respondeu num tom
igual e indiferente, como se se tratasse de outra pessoa:
- Claro que sim, foi muito bonita, não podia ser melhor. Foi de fato deslumbrante.
- Isso que a senhora nos informa é infinitamente interessante para mim. - disse Legrandin
à Sra. de Villeparisis -, pois exatamente dizia comigo outro dia que a senhora marquesa possuía
muito dele na viva nitidez das frases, nesse algo que designarei com dois termos contraditórios, a
rapidez lapidar e a imortal instantaneidade. Gostaria, esta noite, de tomar nota de todas as coisas
que a senhora diz; mas poderei retê-las. Elas são amigas da memória, de acordo com uma frase
de Joubert, creio. Nunca leu Joubert? Oh, a senhora marquesa lhe agradaria tanto! Nesta mesma
noite me permitiria enviar-lhe suas obras, com muito orgulho de lhe apresentar o seu espírito. Ele
não possuía a força da senhora marquesa. Mas era dotado também de muita graça.
Desejaria ir logo cumprimentar Legrandin, mas ele se mantinha constantemente o mais
possível afastado de mim, sem dúvida esperando que eu não ouvisse as lisonjas que, com grande
refinamento de expressão, não deixava de dirigir à Sra. de Villeparisis. Ela fez pouco caso,
sorrindo, como se ele estivesse gracejando, e voltou-se para o historiador:
- E esta aqui é a famosa Marie de Rohan, duquesa de Chevreuse, que casou em primeiras
núpcias com o Sr. de Luynes.
- Minha querida, a Sra. de Luynes me faz lembrar Yolande; ela foi ontem lá em casa e, se
eu soubesse que a sua vesperal não estava ocupada por ninguém, teria mandado buscá-la. A
Sra. Ristori, que chegou de improviso, disse diante da autora uns versos da rainha Carmen Sylva;
eram de uma beleza!
"Que perfídia!" pensou a Sra. de Villeparisis. - "Certamente era nisso que estava falando
baixinho, outro dia, à Sra. de Beaulaincourt e à Sra. de Chaponay." - Eu estava livre respondeu. -
Ouvi a Sra. Ristori nos seus bons tempos; hoje não passa de uma ruína. E depois, detesto os
versos de Carmen Sylva. A Ristori veio aqui uma vez, trazida pela duquesa de Aosta, recitar um
canto do Inferno de Dante. Aí é que ela é incomparável.
continua na página 89...
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Leia também:
Volume 1
Volume 2
Volume 3
O Caminho de Guermantes (1a.Parte - Bloch lhe cortou a palavra)
Volume 4
Volume 5
Volume 7